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Sobre Lukács e a política


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Georg Lukács

 

Sobre Lukács e a política

 

Filosofia e Questões Teóricas

José Paulo Neto   

 

Lukács jogou todo o sentido de sua vida, a partir de 1918, quando ingressou no Partido Comunista húngaro1, na elaboração de uma obra inscrita na vertente do que ele designou como marxismo ortodoxo, um marxismo visceralmente distinto do marxismo vulgar, então dominante e generalizado pela Segunda Internacional (a velha Internacional Socialista).O marxismo ortodoxo de Lukács, na medida em que se funda numa particular articulação entre a teoria e a prática,2 implica de modo necessário uma dimensão imanentemente política no conjunto da obra construída no seu marco; como Carlos Nelson Coutinho escreveu,[…]mesmo a grande Ontologia – ainda que, de suas 1.200 páginas, somente cerca de 40 sejam dedicadas de modo explícito à análise filosófica da práxis política – foi programaticamente concebida como um ato de intervenção política; ao buscar liberar o marxismo de suas deformações stalinistas e neopositivistas, a obra visava a contribuir para um ” renascimento do marxismo”, para a retomada de um autêntico socialismo no mundo.3Entendemos que esse traço essencial vinca o complexo teórico erguido por Lukács em mais de meio século da atividade intelectual, ou seja: a sua obra filosófica e estético-crítica elaborada a partir de 1918, sem prejuízo de suas especificidades teóricas, está saturada de entonação política. Duas referências, que tomamos aqui como simples ilustrações, podem esclarecer esta determinação.A partir da entrada dos anos 1930, quando Lukács já pensava – antes do VII Congresso da Internacional Comunista (1935), que superou intempestivamente o grave equívoco da palavra de ordem “classe contra classe” – tanto a luta antifascista quanto a estratégia de transição ao socialismo na ótica da unidade (centralizada pela classe operária) das forças populares e democráticas, a sua elaboração estética e crítica relativa ao romance revela-se fortemente enlaçada ao seu pensamento político. Quer concebendo a forma romanesca como a estrutura particular, quer recuperando o significado do realismo burguês – v.g, O romance histórico (1937), Escritos de Moscou (1933-1944)4 -, Lukács repõe, no plano teórico, as exigências da política das frentes populares. Também nos anos 1930, quando Hegel era instrumentalizado mistificadoramente pelos ideólogos do fascismo, a interpretação lukacsiana da sua obra (O jovem Hegel e os problemas da sociedade capitalista, concluído em 1938 e publicado dez anos depois) mostra-se solidária com o empenho de resgatar os conteúdos humanistas e democráticos do pensamento burguês anterior a 1848, quando a burguesia, enquanto classe, experimenta a inflexão – analisada por Lukács no áspero A destruição da razão (1954) – que a conduzirá à “decadência ideológica”.  Nestes dois passos, há a notar, enfaticamente que:1) a crítica literária e filosófica lukacsiana não se reduz com essa dimensão política; se ela, sem dúvidas, impôs-lhe alguns limites, permitiu-lhe também ampliar e densificar categorias teóricas, enriquecendo o acervo analítico da forma literário-romanesca e de romancistas e o patrimônio heurístico dos estudos hegelianos;2) o fio da concepção política lukacsiana não vulnerabilizou somente a(s) ideologia(s) burguesa(s), mas feriu também a escolástica do dogmatismo da era stalinista que instaurava – seja problematizando a utilização pragmática e rasteira do realismo socialista, seja demonstrando a inépcia da caracterização de Hegel como pensador reacionário.Em resumo: a obra marxista de Lukács, em que pesem os giros efetuados pelo filósofo de 1918, jamais esteve, do ponto de vista do seu conteúdo essencial, alheia à dimensão política.Há, todavia, no conjunto dessa obra, um estrato que, indiscutivelmente, pode ser caracterizado como eminentemente político5, refigurando um processo de evolução e acúmulo que articulará a concepção política madura de Lukács. Constitui-o um elenco significativo de fontes (ensaios, conferências, artigos curtos, entrevistas) nas quais a atenção do filósofo volta-se diretamente para a problemática política em sentido estrito, enfrentando até as “questões do dia”. Não se trata de um elenco textual homogêneo, e uma avaliação abrangente, fundada numa análise inclusiva desse elenco, revelaria nele pelo menos três momentos distintos.2.O primeiro momento abre-se com os textos elaborados por Lukács entre a proclamação da Comuna húngara (março de 1919)6 e a “ação de março” (1921) dos comunistas alemães e a sua completa derrota em 19237, período em que foi presença marcante na revista Kommunismus8 e publicou Tática e ética (sua primeira coletânea marxista, 1919) e História e consciência de classe (1923). O messianismo revolucionário de que estava imbuído o filósofo9 conduziu-o a um utopismo radical e a tomadas de posição tais que Lenin não hesitou em considerá-lo “esquerdista”; messianismo e utopismo, por outra parte, que se colavam teoricamente numa particular leitura da obra de Rosa Luxemburg.À época, Lukács via a revolução proletária como processo imediata e universalmente em curso10 e compreendia, neste processo, o Partido Comunista – expressão mais alta da consciência de classe do proletariado, tomado este enquanto o sujeito que introduziu um sentido na história – como organizador demiúrgico da passagem da “pré-história da humanidade” ao estágio da emancipação humana.Este momento da constituição do pensamento político de Lukács (nutrido, ainda, pelo principismo eticista próprio de um intelectual que, oriundo de família e educação aristocratizadas e aristocratizantes, renuncia conscientemente à sua origem e condição de classe e corajosamente salta para a trincheira oposta nas lutas de classes) começa a esbater-se a partir de meados dos anos 1920. O “esquerdismo” de Lukács começa a derruir-se.Do ponto de vista ideológico, a crítica de Lenin impressionou-o profundamente – e, escrevendo um pequeno ensaio logo na sequência da morte do líder bolchevique (O pensamento de Lenin, 1924), Lukács vê-se no início de um ajuste de contas consigo mesmo para defrontar-se com o antiutopismo leniniano -, conduzindo-o a repensar as suas tomadas de posição no sentido do que chamou de “realismo revolucionário”.Por outra parte, já antes, o III Congresso da Internacional Comunista (junho-julho de 1921), de que Lukács participou, em Moscou, pressionara claramente o “esquerdismo”, colocando na ordem do dia a “frente única proletária” e reconhecendo o refluxo da maré revolucionária – nas palavras de Lenin, “há que pôr fim à ideia de assalto {ao Estado burguês] e substituí-la pela ideia de assédio”11.  Mas é no seu IV Congresso (Moscou, dezembro de 1922), que a Internacional Comunista consolidou a nova orientação, realçando que o mundo capitalista experimentava uma “relativa estabilidade”. Foi,contudo, a prática política no interior do partido húngaro, na qual ele estará medularmente comprometido, com sua atividade dirigente, que responde pela rotação das concepções políticas de Lukács.12Com efeito, entre a morte de Lenin e o II Congresso do Partido húngaro (1929), Lukács é um dos responsáveis pela direção do Partido, brutalmente reprimido e posto na mais dura clandestinidade pelo regime protofascita de Horthy. Na luta interna que irrompe no Partido, Lukács – Blum era seu “nome de guerra” – alinha-se com a liderança de Jeno Kun, respaldada por importantes segmentos da direção da Internacional Comunista.A luta interna se trava com aspereza e a repentina morte de Landler13 põe Lukács à frente da oposição: cabe-lhe oferecer, no II Congresso do Partido (1929), uma alternativa à linha de Béla Kun14, o que obriga o filósofo a um estudo exaustivo das realidades húngara e internacional. Daí resulta o documento que apresenta ao Congresso, as célebres Teses de Blum, nas quais propõe, como objetivo do Partido, no combate pela derrubada da ditadura de Horthy, não uma república conselhista (tal como a Comuna húngara de 1919), porém uma ditadura democrática de operários e camponeses, cujo conteúdo imediato e concreto não ultrapassaria os quadros econômicos da sociedade burguesa15.  Essa proposta, produto de um acurado estudo econômico-social e político da Hungria, expressava também a maturação política da adesão de Lukács ao comunismo, fomentada pela sua prática partidária e pelo seu melhor conhecimento das relações internacionais.A proposta, todavia, era formulada no momento mesmo em que a Internacional Comunista, numa viragem espetacular operada no seu VI Congresso (julho-setembro 1928), substitui de fato a política da “frente única proletária” por aquela da “classe contra classe”, justificando-a pela alteração da conjuntura: à “estabilidade relativa” do capitalismo sucederia um novo período (o “terceiro”), marcado pela sua “crise geral”, o que repunha – segundo a interpretação da Iinternacional – a luta pela ditadura do proletariado na ordem do dia16.  Em suma: Lukács operava um giro político no sentido diametralmente oposto àquele a que se dirigia a nova orientação da Internacional Comunista – de fato, a proposta lukacsiana antecipava, individual e, na realidade, solitariamente, uma plataforma que só teria guarida no movimento comunista tardiamente, após a ascensão de Hitler, somente sendo abraçada pelos comunistas depois da palavra de ordem da “frente ampla” tal como a apresentou G.Dimitrov no VII Congresso da Internacional Comunista (julho-agosto de 1935).17O resultado não poderia ser outro: uma fragorosa derrota das Teses de Blum no congresso do Partido húngaro, que obrigou Lukács a uma autocrítica insincera (1929)18 e o recolhimento em face da atividade político-partidária. A derrota do filósofo na luta interna, porém, marcou especialmente a ruptura do próprio Lukács com suas concepções utópico-esquerdistas (ele reconheceu, explicitamente, que as Teses de Blum constituem uma “conclusão”19) e o passo ao segundo momento evolutivo do seu pensamento político.3.À concepção política esboçada nas malogradas Teses de Blum faltava um substrato teórico-filosófico – substrato que permitiria a Lukács assentá-la com solidez e desenvolvê-la consequentemente. É esse substrato que começa a desenhar-se entre 1930 e 1931, quando, estagiando em Moscou antes de transferir-se para a Alemanha, tem a oportunidade de estudar manuscritos ainda inéditos de Marx e Engels (que viriam à luz em 1932: os Manuscritos econômico-filosóficos de 1844 e A ideologia alemã) e de iniciar uma sistemática análise da obra de Lenin.A estância de Lukács na Alemanha, entre 1931 e a chegada de Hitler ao poder, confrontando-o diretamente com a política de “classe contra classe” – dos grandes partidos comunistas, talvez tenha sido o alemão aquele que implementou mais radicalmente a orientação do VI Congresso da Internacional. Escaldado pela derrota de Blum e continuando primordialmente preocupado em não ser alijado da luta antifascista por um afastamento qualquer do movimento comunista, Lukács combate aquela política nos estreitos limites da sua atividade como crítico literário – donde os seus debates acerca do impressionismo e contra o vanguardismo sectário da esquerda alemã.20Mas é no duro exílio na União Soviética que o seu pensamento político ingressa mesmo num segundo momento evolutivo: aí ele embasará teoricamente a concepção política que, nas Teses de Blum, se encontrava ainda em statu nascendi. Justamente nesses anos, que vão de 1933 a 1945 – mais de uma década em que se entrecruzam os horrores do fascismo, a plena instauração do stalinismo e do seu terror e a guerra –, Lukács consolidará a sua concepção política madura. Do ponto de vista teórico-filosófico, ele se apropriará intensivamente do conjunto da herança de Marx e Engels, superando os vieses que marcaram parte da sua elaboração dos anos 1920; em especial, seus estudos históricos e econômico-políticos erodem definitivamente os resíduos do seu utopismo inicial; e também o aprofundamento de sua investigação sobre a obra leniniana lhe propicia uma visão mais rica e abrangente do caráter unitário do marxismo como concepção de mundo. Cumpre assinalar que, desde então, Lenin se inscreverá no universo intelectual de Lukács com uma centralidade que vai muito além da referência teórica e política – centralidade que, desenvolvida depois de 1956, redundará na entronização de Lenin como emblema para configurar a construção do “homem novo” anunciado pelo comunismo.21Também nesses anos estão as raízes da perspectiva teórico-filosófica do marxismo que, nos anos 1960, depurada e afinada, Lukács explorará ao limite, designando-a como ontológica e postulando-a como a única capaz de, simultaneamente, guardar a fidelidade ao espírito de Marx e assegurar o desenvolvimento crítico-criador do marxismo (nas palavras do último Lukács, “o renascimento do marxismo”).Ainda aqui, contudo, foram as duras lições da história que conduziram a reflexão política lukacsiana – de uma parte, a derrota das forças democráticas e populares em face da instauração do fascismo e, doutra, a terrível experiência do stalinismo. Se a primeira foi objeto da sua investigação e resultou numa série de ensaios publicados ao longo do período e mesmo ulteriormente, a segunda teve efeitos e impactos duradouros, porém só explicitados no pós-1956.Lukács, exilado na União Soviética de Stalin, não se dispôs ao sacrifício físico para combater abertamente o stalinismo (o que, diga-se de passagem, não impediu que sofresse coerção direta22). A posição de Lukács torna-se compreensível se se leva em consideração a sua análise política de fundo: o filósofo, no contexto da expansão do fascismo e da Segunda Guerra Mundial, estava absolutamente convencido de que a sobrevivência da União Soviética era um valor absoluto, que condicionava tanto a vitória sobre a barbárie fascista quanto a possibilidade de evolver futuro do socialismo; por isso, mesmo que intimamente desenvolvesse uma postura crítica em face de Stalin e de seus métodos desde 1938-1939, ele não a exprimiu publicamente. Julgava, e nunca recuou desde julgamento, que fazê-lo equivalia a abrir o flanco ao inimigo.L. Feuchtwanger, aliás objeto de notações críticas em O Romance histórico, escreveu em alhum lugar que “ser mártir é fácil; difícil, muito difícil, é permancer entre luzes e sombras pelo bem de uma ideia”. Tais palavras caem como uma luva para a problemática posição assumida por Lukács: ele se recusou ao martírio e travou contra o stalisnismo, nesses anos, o combate possível, que caracterizaria como o “combate espiritual de um partisan” : defendeu, no plano estrito da cultura, ideias colidentes com a doutrina oficial23, mas sempre proregendo-se com citações protocolares de Stalin e com uma intencional restrição de seus juízos à esfera cultural.24O fato é que os silêncios de Lukács, sua reverência formal a Stalin e a limitação da sua crítica oblíqua ao plano de cultura custaram-lhe o rótulo de “stalinista”: G. Lichtheim mensiona “a resoluta adesão de Lukács a Stalin” e, de forma mais delicada, Y. Ishaghpour credita-lhe uma ” adesão mais ou menos tácita ao stalinismo”; outros, como H. Rosenberg, assinalam a “sua patética resistência ao stalinismo”; na contracorrente, críticos como L. Kofler replicaram que “Lukács e o stalinismo distinguem-se entre si como o socialismo democrático distingue-se do socialismo burocrático. Entre eles não há nenhuma ponte”.25Entendemos que este último juízo está mais próximo da verdade – mas ele requer determinações para tornar-se mais exato. De uma parte, é necessário analisar em que medida a opção de Lukács impôs-lhe limitações significativas no plano de suas avaliações crítico-filosóficas e estéticas26; de outra, no que diz respeito diretamente a sua concepção política, há que investigar como também a sua opção pelo “combate espiritual de um partisan” no marco posto pela defesa do “socialismo em um só país” deixou sequelas que não podem ser ignoradas.274.Lukács retorna à Hungria em 1945, depois de mais de um quarto de século de ausência forçada. Chega com a Libertação propiciada pelas vitórias do Exército Vermelho e participa ativamente do processo de reconstrução nacional, no plano cultural (torna-se membro da direção da Academia de Ciências da Hungria, leciona na Universidade de Budapeste) e no plano político (participa do Conselho Nacional da Frente Popular Patriótica).Regressa a seu país projetando sua inserção na vida húngara a partir de duas hipóteses, intimamente vinculadas entre si: de uma parte, está convencido de que a conjuntura mundial propiciará a continuidade, sobre novos fundamentos, da “grande aliança” construída em 1941 entre as democracias ocidentais e a União Soviética, favorecendo um clima internacional de paz e desenvolvimento progressista; de outra, acredita firmemente que a reconstrução nacional deverá avançar mediante a unidade das forças democráticas e populares (daí, entre outros, seu esforço de entendimento e união entre socialdemocratas e comunistas), na construção do que sustentava ser a democracia popular ou, nos termos lukacsianos da época, a nova democracia.28Estas duas hipóteses condensavam o que, linhas acima, designamos como sendo a sua concepção política madura, elaborada nos anos do exílio na União Soviética. De uma parte, Lukács, mesmo convencido de que capitalismo e socialismo constituíam sistemas necessariamente mundiais, compulsoriamente demandantes do espaço planetário, tinha por viável a possibilidade da coexistência dos dois sistemas sem guerras destrutivas (por isso, inclusive, em sua sincera e apaixonada participação no Movimento pela Paz, em que exerceu expressiva intervenção), o que depois de 1956 seria definido como coexistência pacífica – e que não excluía a dinâmica das lutas de classes por meios outros que não a guerra – é um dos pilares da concepção política madura de Lukács. O outro, constituiu-o a sua visão da transição ao socialismo: para Lukács, tratava-se de processo largo e complexo, que – se implicava ruptura e traumatismos no confronto com a reação e com os inimigos de classe – teria tanto mais sucesso se se operasse mediante as vias próprias do enfrentamento de ideias e cosmovisões que envolviam o conjunto da sociedade, com o recurso sistemático ao debate franco, voltado para a persuasão e o convencimento. A forte interdependência entre os dois componentes elementares dessa concepção é óbvia; um clima de paz internacional vincula-se diretamente à maior limitação possível dos caminhos revolucionários e meios que dispensem a violência físico-material; e também é óbvia a conexão dessa concepção com a “política frentista” que Lukács antecipara em 1928.29Esta é a concepção com que Lukács regressa à Hungria e com a qual intervém ativamente, por cerca de três anos, na vida política e cultural de seu país, e, mais, na vida intelectual europeia – entre 1946 e 1949, viaja ao ocidente, participa de conferências e congressos, tem obras publicadas no país e no exterior. Mas os supostos sobre os quais repousava a sua projeção não resistem à prova de curto prazo da história: de uma parte, a Guerra Fria (e a guerra a quente, como o demonstrará na sequencia a conflagração coreana) liquida com a alternativa da coexistência sem belicismo; de outra, os aparatos de poder estatal-partidários, controlados por grupos afinados com o stalinismo (sem contar o recrudescimento da ditadura de Stalin no final desses anos), destroem no Leste Europeu as possibilidades de uma transição socialista sem o recurso à violência e ao terror.Na Hungria, o sinal dos novos tempos é dado por Rakosi, máximo dirigente partidário e estatal: qualificando 1948 como “o ano da mudança”, o ditador eliminou da vida política a pluralidade partidária e deu início à caça a seus adversários – uma repressão que atingiu tanto os não-comunistas como os opositores dos seus métodos no interior do Partido. Como notou Mészáros, o primeiro passo desta caçada foi, no verão/outono de 1949, o processo contra Rajk e sua execução; e o regime avançou, simultaneamente, contra tudo o que significava a nova democracia: desencadeou-se uma cruzada pública (e internacional: na União Soviética, por exemplo, Fadeiev reclamou “severas medidas administrativas”) contra Lukács.30A partir de 1949, uma campanha de descrédito e calúnias, orquestrada pela cúpula do Partido, é dirigida contra Lukcás: aberta formalmente, sob orientação pessoal de Rakosi, por L. Rudas em julho de 1949, será conduzida subsequentemente por um grupo de intelectuais vinculados ao aparelho partidário (dentre os quais J. Révai, M. Horváth e J. Darvas31).O ataque a Lukács envolvia a sua intervenção como crítico literário (a pretexto de seus livros publicados em húngaro depois de 1945: Literatura e democracia e Por uma nova cultura húngara) , retomava a condenação às Teses de Blum e promovia um inquisitorial às suas ideias acerca do realismo socialista e da significação da literatura russa. Porém, o alvo cebtral dos adversários era a concepção política que – segundo eles, e corretamente – se vinculava às suas ideias acerca da cultura: a sua defesa de nova democracia. Indo diretamente ao nó do problema, no mais longo dos seus derradeiros depoimentos, Lukács relembra o que o antagonizava, nos finais dos anos 1940, com o regime Rakosi:Na minha opinião, que remonta às Teses de Blum, a democracia popular é um socialismo que nasce da democracia. Segundo o outro ponto de vista, a democracia popular é, desde o início, uma ditadura e, desde o início, aquela forma de stalinismo para a qual ela evoluiu após o caso Tito.32A cruzada anti-Lukács se acentua em 1950, repercutindo no movimento comunista internacional. Sob forte pressão, Lukács faz autocrítica, de novo recusando-se ao martírio33, e é obrigado, em 1951, a recolher-se à vida privada. Mais uma vez, como em 1929, a intervenção política do filósofo redunda numa derrota. Ele e suas ideias políticas deixam a cena pública – contudo, não será por muito tempo.5.1956 é o ano do “outubro húngaro”34. Fazendo a síntese do que se passou naquele ano, um comentarista registrou: “revolta dos intelectuais, queda do stalinista Rakosi; retorno ao poder de Imre Nágy; ressurgimento de uma imprensa livre e de partidos políticos; desmoronamento do Partido Comunista; fim da coletivização; florescimento dos conselhos operários; a revolução é esmagada pelas tropas russas”.35O comentarista não mencionou que, na explosão da crise do regime de Rakosi, também entraram na arena forças contra-revolucionárias, efetivamente reacionárias; porém, como assinalou um ex-marxista,[…]o dilema húngaro não era entre um socialismo existente, por mais imperfeito que fosse, e a contra-revolução, e sim entre uma realidade anti-socialista e uma possibilidade socialista. A imensa maioria dos operários, estudantes e intelectuais não combateria até a morte para reinstalar capitalistas nas fábricas e sim instaurar uma democracia política que tornasse real a posse das fábricas pelos trabalhadores […]. Diante do despertar das forças reacionárias húngaras, […] a garantia eram os operários húngaros organizados em conselhos […], eram também os intelectuais e estudantes, que em sua maioria ainda acreditavam no socialismo e não queriam passar de uma ditadura a outra.36O ex-marxista tem razão: o que explode na Hungria – tendo como pano de fundo a desestalinização que fora posta em curso a partir do “relatório secreto” de Kruschev ao XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética (PCUS), em fevereiro de 1956 – é a demanda de profundas mudanças que levassem à realização de algo como a nova democracia que Lukács propusera no imediato pós-guerra. Por isso mesmo, o velho filósofo reingressa na cena política com entusiasmo: em junho, pronuncia no “Círculo Petöfi” a conferência A luta entre progresso e reação na cultura contemporânea e, juntamente com Tibor Déry, Giulia Illiés e István Mészáros37, lança a revista Eszmélet (Tomada de consciência).  De junho a novembro, seu ativismo parece juvenil: participa do processo de refundação do partido e torna-se Ministro da Cultura do efêmero governo Nágy, cargo a que renuncia quando este propõe a retirada da Hungria do Pacto de Varsóvia.38  Na repressão que se segue ao 4 de novembro (quando as tropas russas entram em Budapeste para liquidar o levante)39, Lukács – após um breve refúgio na embaixada da Iugoslávia, que ele mesmo considerou um “erro brutal” – é deportado para a Romênia.No ano seguinte, obtém permissão para retornar. Exige-se-lhe uma autocrítica, que ele rechaça frontalmente: “Lukács, o velho Lukács de 71 anos, recusa-se a fazer novamente sua autocrítica, a reconhecer seus erros, a submeter-se novamente à autoridade e à burocracia que se pretendem socialistas. No terceiro canto do galo, o Pedro petrificado do marxismo se recusa a renegar e a renegar-se”.40  Concede-se-lhe uma espécie de otium cum dignitate, mas lhe é negado o ingresso no Partido refundado41 e se lhe impõe a proibição de suas publicações e atividades políticas, ao mesmo tempo em que nova campanha é oficialmente aberta contra ele.42Logo afinado com os novos tempos da desestalinização, o governo de Kadar, após a “normalização” (ou seja, quando a oposição expressa em outubro de 1956 foi desarticulada), orienta-se num sentido auto-reformista: promove significativas alterações na ordem econômica e instaura um clima de tolerância política e ideológica. Em face deste novo rumo, Lukács preocupa-se fundamentalmente em apoiar as mudanças que parecem progressistas e democratizantes: definia sua postura no quadro húngaro como “não oposição, mas reforma”, sublinhando que o essencial era a solução da questão básica: a questão democrática.43Aí reside o componente inédito que enriquece a concepção política madura de Lukács e a eleva a um patamar mais alto: ainda que prosseguindo e prolongando as ideias que o conduziram à defesa da nova democracia, é legítimo afirmar que, no pós-56, o filósofo chega ao estágio culminante de sua reflexão política, configurador do terceiro momento a que aludimos: a democracia defendida por ele, e qualificada como socialista, propõe-se como a via para a reconversão das sociedades soviéticas e do leste em formações societárias compatíveis com o projeto emancipador que animou o pensamento marxiano e marxista antes da sua perversão pelo dogmatismo e pelo sectarismo.De fato, após o XX Congresso do PCUS e seu retorno da deportação, Lukács vislumbra a concreta possibilidade de uma auto-reforma do “socialismo real” (expressão, aliás, estranha a Lukács). Avalia o período que se abre como uma transição que pode resgatar as promessas emancipadoras do Outubro vermelho de 1917, desde que se erradiquem as raízes do stalinismo e, ao mesmo tempo, mantenha-se e se aprofunde a crítica da sociedade burguesa44 – que, para ele, volta a experimentar, nos anos 1960, uma crise profunda45. No plano político, pois, trata-se de um combate em duas frentes: contra o stalinismo (que ele jamais reduziu ao clichê do “culto à personalidade”) e contras as falsas alternativas oferecidas a ele (no limite, a restauração da democracia política formal burguesa).Lukács estava firmemente convencido de que este combate em duas frentes implicava uma profunda renovação do pensamento marxista; donde o seu esforço teórico para fomentar o que chamou de renascimento do marxismo, esforço do qual são testemunhos documentais a monumental Estética (cuja primeira parte, a única concluída, sai em 1963) e a Ontologia do ser social (publicadas, a “grande ontologia”, em 1976-1981, e a “pequena”, em 1986), bem como o seu estímulo às pesquisas de investigadores jovens, como aqueles que ficaram conhecidos como membros da “Escola de Budapeste”.46Neste período, Lukács pôde expressar livremente o seu pensamento político47, explicitando-o claramente, sem as restrições e os compromissos a que se condicionara anteriormente. Os textos mais expressivos desta quadra são dirigidos à crítica do stalinismo e suas sequelas e põem a questão da democracia socialista na ordem do dia. E neles se expressa, reiteradamente, a aposta na auto-reforma do socialismo, sempre sinalizada pelo apoio que Lukács ofereceu à liderança soviética de Kruschev.Esta aposta, como o desenvolvimento posterior da história demonstrou, foi perdida: as regressões do regime soviético sob Brejnev reverteram a sua possibilidade e, no fim dos anos 1980, os tardios intentos de Gorbachov comprovaram que a auto-reforma era inviável, do que derivou a insustentabilidade da experiência iniciada em 1917. Lukács, porém, não assistiu a este desfecho.Mas há forte indicações de que ele pressentiu, com a queda de Krusckev (1965) e especialmente com a repressão à auto-reforma empreendida na Tchecoslováquia (agosto de 196848), que o projeto auto-reformador em que estava empenhado corria risco substantivo. Por isto, reagiu imediatamente à invasão da Tchecoslováquia, repudiando a intervenção das forças do Pacto de Varsóvia49 e redigindo o ensaio em que sintetiza, clara e inequivocamente, este terceiro momento da sua evolução política, em formulações que podem ser tomadas como conclusivas do seu itinerário comunista em texto que entregou à direção do seu partido e só foi publicado postumamente (1985): Demokratisierung heute um morgen, integralmente traduzido nesse volume sob o título O processo de democratização.Neste ensaio, coligido no presente volume e em que recusa simultaneamente o modelo stalinista (e todas as suas derivações) e a democracia política de corte formal-burguês (ou suas variantes, que seduziram muitos daqueles que se opuseram ao stalinismo), Lukács põe, como única alternativa progressista às estruturas do “socialismo real”, a democracia socialista, que só pode ter efetividade se se constituir como democracia da vida cotidiana; mais exatamente: “uma democracia da vida cotidiana, tal qual apareceu nos conselhos operários de 1871, 1905 e 1917 e tal qual existiu nos países socialistas e deve aí ser novamente despertada”. Comentando essa passagem, nota justamente um crítico que Lukács opõe essa democracia dos conselhos operários “simultaneamente à burocracia arbitrária e à democracia burguesa, como um sistema de democracia autêntica e real, que surge cada vez que o proletariado revolucionário aparece no palco da História”.50De fato, no último Lukács, a transição socialista quase se identifica com um profundo e radical processo de democratização, a ser perseguido sem concessões se o horizonte da ação política dos comunistas for mesmo a edificação de uma sociedade sem exploração, opressão e alienação – isto é, a sociedade comunista.6.A concepção política que Lukács veio desenvolvendo desde a sua adesão ao comunismo não constitui o núcleo central da sua contribuição ao pensamento marxista: se, na sua obra, como salientamos, a dimensão política está sempre presente, conformando mesmo um estrato significativo da sua atividade intelectual e prático-concreta, é preciso sublinhar que ela não dispõe do privilégio de que goza em marxistas cuja atenção prioritária voltou-se para a política enquanto esfera com estatuto, legalidade e relevância específicos (como, por exemplo, em Antonio Gramsci).Não é pertinente, nesta oportunidade, identificar as razões teóricas e/ou filosóficas deste fato. O que importa é ressaltar que, no conjunto da obra lukacsiana, a política não comparece como um objeto autônomo, passível de ser tematizado em suas peculiaridades. Em poucas palavras: há, no conjunto da obra lukacsiana, uma – insistimos – inequívoca dimensão política; mas não se pode, legitimamente, considerar a existência de algo como que um sistema de teoria política na obra lukacsiana: Lukács foi um pensador político, não um pensador da política. Esta determinação não retira da sua concepção política a importância, como tampouco minimiza a sua significação; apenas permite apontar o espaço restrito em que decorre a sua reflexão política, subordinada não a um tratamento sistemático, mas as exigências decorrentes das suas concepções teórico-filosóficas e a injunções do seu protagonismo como sujeito político.Nos textos recolhidos neste volume, o leitor certamente notará que o espaço restrito a que nos referimos acima, determinante do arsenal de categorias com que Lukács trata os processos políticos51, tem fortes incidências na análise política lukacsiana: por exemplo, a sua crítica de princípio ao stalinismo frequentemente é viciada por uma redução teoricista – ao colocar no centro de suas apreciações, vigorosa e corretamente, a questão teórico-metodológica (em especial, o contraste das concepções stalinianas e stalinistas com as de Lenin), Lukács não apreende a referência histórico-concreta da experiência soviética (seus condicionantes econômico-sociais, a contextualidade internacional, as transformações político-ideológicas etc.) que aparece rarefeita e com pouco peso.Deriva dessa redução teoricista um viés que pode induzir a avaliações unilaterais, pouco aptas a apreender os nexos complicadíssimos entre teoria e práxis, na suposição de que a correta imposição teórico-metodológica conduz, pela força da sua verdade, a soluções políticas adequadas. Poder-se-ia argumentar, num aprofundamento crítico que escapa ao escopo desta introdução, que a opção de fundo de Lukács – que, páginas atrás, sinalizamos como valor absoluto (a existência da União Soviética) e do qual ele nunca abriu mão – responde, centralmente, pelas limitações da análise política lukacsiana, na qual, quase sempre, predomina um otimismo não suficientemente fundado.Enfim, esse otimismo e mais aquela redução teoricista poderiam ser responsabilizados pelas derrotas políticas que, independentemente da sua congruência teórico-metodológica e da sua coerência ideológica, Lukács protagonizou, quer ao tempo das Teses de Blum, quer no período em que batalhou pela nova democracia, quer nos anos em que emprestou seu apoio à auto-reforma que Kruschev tentou implementar.A crítica cuidadosa e radical da concepção política de Lukács ainda está por fazer-se e o primeiro passo para conduzi-la com rigor é conhecê-la, o que reclama imperativamente o estudo dos textos como os coligidos nesse volume. E, na condução dessa crítica, há que não perder de vista o espírito geral da obra lukacsiana pós-1918: Lukács morreu afirmando que “o pior socialismo é melhor que o melhor capitalismo”.527.Cumpre, finalmente, lembrar ao leitor, em especial ao mais jovem, que a correta avaliação dos textos aqui reunidos supõe o conhecimento da contextualidade histórico-política no interior da qual foram elaborados por Lukács. Depois de mais de um quarto de século, que registrou uma profunda derrota político-ideológica da classe operária e das camadas trabalhadoras em todo o mundo, que assistiu ao colapso das experiências pós revolucionárias, que testemunhou o redimensionamento da dominação do capital e o descrédito das proposições socialistas – depois dessas quase três décadas de reacionarismo político e aviltamento cultural, o empenho de Lukács na renovação do socialismo e no renascimento do marxismo pode parecer algo anacrônico.Também no que toca a Lukács, inclusive no que diz respeito à sua reflexão política, é preciso determinar “o que é vivo e o que é morto” na sua obra; porém entendemos igualmente que esta avaliação não pode excluir a temporalidade histórica em que o filósofo se moveu. Os textos aqui reunidos são historicamente determinados: trazem a marca da esperança aberta com os primeiros passos para além do stalinismo (da expectativa de um socialismo com rosto humano), da crise da ordem capitalista (a luta pelos direitos civis e a rebeldia nos campi dos Estados Unidos; o crescimento dos partidos comunistas e do movimento sindical classista na Europa Ocidental; a rebelião estudantil na França e Alemanha; a derrota do imperialismo na sua agressão ao povo do Vietnã), da quebra dos grilhões colonialistas na África etc. Então, uma cultura anticapitalista se generalizava e um pensador do nível e da audiência de Sartre afirmava com tranquilidade que “o marxismo é a filosofia do nosso tempo”.Esta temporalidade histórica esgotou-se. Mas é grosseiro equívoco supor que a história chegou ao fim: Clio, sabe-se, é uma deusa ardilosa. Reprimidas mas não suprimidas, mistificadas ideologicamente e/ou manipuladas politicamente, as lutas sociais reais prosseguem e revelam, na sua essencialidade, o condicionalismo maior das lutas de classes: metamorfoseada, a ordem do capital não perdeu suas características estruturais de exploração e opressão e continua produzindo e reproduzindo a sua negatividade. Quando esta reunir as condições para aflorar à superfície da vida social, colocar-se-á em novo patamar a questão central da transformação desta ordem societária – colocar-se-á abertamente o dilema entre uma alternativa socialista renovada e a cronificação da barbárie capitalista.Nesta perspectiva, os textos políticos de Lukács deixam de ser importantes documentos referidos a uma conjuntura histórica passada. Adquirem uma nova significação e uma extraordinária atualidade: podem indicar, pela crítica do passado, um rumo para o futuro.Esta é, aliás, a razão pela qual nos animamos a tornar acessíveis ao leitor brasileiro os textos que compõem o presente volume.

Recreio dos Bandeirantes, março de 2008

Notas:

1 Uma síntese bibliográfica da longa trajetória de György Lukács (1885-1971) está disponível em G. Lukács, O jovem Marx e outros escritos de filosofia, Rio de Janeiro, UFRJ, 2007, p. 15-24

2 A concepção lukacsiana do “marxismo ortodoxo” foi formulada no ensaio de abertura de História e consciência de classe (1923); releva notar que, posteriormente, ao criticar essa obra, Lukács não estendeu sua autocrítica àquela formulação, em que é central a relação entre elaboração teórica e práxis (ainda que tenha feito restrições à concepção de práxis que atravessa o conjunto do livro). Também importa observar que, em meados dos anos 1920 (1925 ou 1926), precedendo as autocríticas que realizou em relação à História e consciência de classe, Lukács redigiu um texto em que a defende das críticas que, imediatamente após a sua publicação, lhe foram dirigidas por A. M. Deborin (1881-1963) e L. Rudas (1885-1950), texto que só veio à luz postumamente (1996), sendo vertido ao inglês pouco depois – ver G. Lukács, A defense of History and class consciousness. Tailism and dialetic [Uma defesa de História e consciência de classe. Reboquismo e dialética], Londres, Verso, 2000.

3 C.N. Coutinho, “Lukács, a ontologia e a política”, em R.Antunes e W.L. Rego (org.), Lukács. Um Galileu no século XX, São Paulo, Boitempo, 1996, p.23.

4 Para todas as referências bibliográficas aqui assinaladas, ver a bibliografia citada na nota 1.

5 Não casualmente, uma coleção brasileira dedicada às “fontes do pensamento político” foi inaugurada com um estudo e uma seleta de textos políticos de Lukács – trata-se do volume Lukács, preparado por Leandro Konder (Porto Alegre, L&PM, 1980)

6 Para uma aproximação à Comuna Húngara, ver, entre outros, G.D.H. Cole, Historia del pensamiento socialista, México, Fondo de Cultura Económica, 1961, v.5; Rudolf L. Tökes, Béla Kun and the Hungarian Soviet Republic, Nova York Iorque/Londres, Praeger/Pall Mall Press, 1967; Pierre Broué, História da Internacional Comunista, São Paulo, Sundermann, 2007, t.1, p. 121 e ss.

7 Para uma súmula dos eventos alemães da “ação de março” (de 1921) até à derrora comunista de 1923, ver Isabel Loureiro, A revolução alemã (1918-1923), São Paulo, Unesp, 2005; uma apreciação, de viés trotskista, encontra-se em Pierre Broué, cit., t. 1, p. 268 e ss. ; uma visão sintética e equilibrada do colapso da República de Weimar é fornecida por Peter Gay, no apêndice a seu livro A cultura de Weimar, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1978.

8 Entre 1921 e 1923, Lukács também escreveu textos significativos para Rote Fahne (Bandeira vermelha), periódico do Partido Comunista alemão; tais textos, expressão das suas concepções teóricas e políticas à época, foram integralmente publicados por M. Löwy em G. Lukács, Littérature, philosophie, marxisme, Paris, PUF, 1978.

9 Acerca do messianismo do “jovem” Lukács, ver José Ignacio López Soria, De lo trágico a lo utópico. El primer Lukács, Caracas, Monte Ávila, 1978; Leandro Konder, “Rebeldia, desespero e revolução no jovem Lukács”, Temas de ciências humanas, São Paulo, n. 2, 1978; Michael Löwy, Redenção e Utopia. O judaísmo libertário na Europa Central, São Paulo, Companhia das Letras, 1989; Carlos Eduardo Jordão Machado, As formas e a vida. Estética e ética no jovem Lukács (1910/1918), São Paulo, UNESP, 2004.

10 Recordando esse período, Lukács declarou, décadas depois: “Éramos todos sectários messiânicos. Acreditávamos todos na revolução mundial como num fato para acontecer amanhã” (G. Lukács, Pensamento vivido. Autobiografia em diálogo. São Paulo/Viçosa, Ad Hominem/UFV, 1999, p.77).

11 A citação é feita conforme Annie Kriegel, Las Internacionales obreras (1864-1943), Barcelona, Orbis, 1986, p.92.

12 Estudando esse período de formação do pensamento político de Lukács, Michael Löwy (A evolução política de Lukács: 1909-1929, São Paulo, Cortez, 1998, p. 234-237), numa instigante interpretação – da qual divergimos -, aponta a relevância do ensaio lukacsiano Moses Hess e o problema da dialética idealista (1926) na inflexão que, segundo sua análise, levaria à “adesão de Lukács ao termidor soviético”.

13 Jeno Landler (1875-1928) desempenhou importantes funções durante a República Húngara dos Conselhos; membro do Comitê Central do Partido húngaro desde 1919, dirigiu-o durante a emigração na Áustria.

14 Ver, infra, a nota 1 do ensaio “Para além de Stalin”.

15 Excertos deste documento foram publicados no Brasil: “Teses de Blum (Extrato). A ditadura democrática”, Temas de ciências humanas, São Paulo, n. 7, 1980.

16 A ruptura de toda aliança com os socialdemocratas, nesta perspectiva, tornou-se inevitável, uma vez que a socialdemocracia fora identificada como “irmã gêmea do fascismo”. O caráter absolutamente irrealista e suicida desta política, que contribuiu para facilitar a ascensão do fascismo na Alemanha, é flagrante na apreciação que E. Thaelmann, principal dirigente comunista alemão à época, formulava da resposta à manifestação nazista de 22 de janeiro de 1933, realizada pelas tropas de assalto diante da Karl Liebknecht Haus: “O 22 de janeiro desenvolveu-se sob o signo de uma viragem das forças de classe em favor da revolução proletária” (apud Annie Kriegel, cit., p. 111). A apreciação de Thaelmann é de 1º de fevereiro; mas, a 30 de janeiro, já Hitler fora investido por Hindenburg no cargo de chanceler…

17 Ver as intervenções de Dimitrov no referido Congresso em G. Dimitrov, Obras escolhidas em três volumes, Sófia, Sófia-Press, 1982, v. 2, p. 22-135.

18 Sobre esta autocrítica, quase quatro décadas depois Lukács esclareceu: “Quando soube de fontes confiáveis que Béla Kun preparava a minha exclusão do partido na condição de “liquidador”, decidi renunciar a prosseguir a luta, pois sabia da influência de Kun na Internacional, e publiquei uma ‘ autocrítica’. Embora naquela época eu estivesse profundamente convencido de estar defendendo um ponto de vista correto, sabia também – pelo destino de Karl Korsch, por exemplo – que a exclusão do Partido significava a impossibilidade de participar ativamente da luta contra o fascismo iminente. Como ‘ bilhete de entrada’ para tal atividade, redigi esta autocrítica, já que, sob tais circunstâncias, eu não podia e não queria mais trabalhar no movimento húngaro. Era evidente que esta autocrítica não podia ser levada a sério: a mudança da opinião fundamental que sustentava as teses […] passou a ser doravante o fio condutor para minha atividade teórica e prática”. Ver “Prefácio” (1967) em História e consciência de classe, São Paulo, Martins Fontes, 2003, p. 36-37.

19 Ibid., p. 37.

20 Quanto a isto, são emblemáticos os seus ensaios, de 1932, Tendência ou partidarismo?, Reportagem ou configuração? Observações críticas a propósito do romance de Ottwalt e Da necessidade, virtude.Esta linha de crítica terá prosseguimento nas polêmicas que envolverão, até 1938, a intelectualidade alemã exilada na União Soviética, como o comprovam as intervenções de Lukács nos periódicos Das Wort (A palavra) e Internationale Literatur (Literatura Internacional). Ver, sobre este ponto, Carlos Eduardo Jordão Machado, Um capítulo da história da modernidade estética: debate sobre o expressionismo, São Paulo, UNESP, 1998.

21 A nosso juízo, a relação do último, a relação do último Lukács com a figura de Lenin (e poder-se-ia pesquisar sua similitude com a relação do Hegel posterior a 1805 com a figura de Napoleão) está marcada por uma forte idealização do máximo dirigente bolchevique, com implicações que comprometem a análise política que o velho Lukács realiza dos rumos tomados pela revolução de outubro.

22 Em 1941, Lukács foi preso pela polícia política stalinista e só foi libertado, após alguns meses, graças aos empenhos de G. Dimitrov, então o mais alto dirigente da Internacional Comunista (ver I. Mészáros, Lukács’ concept of dialetic, Londres, Merlin Press, 1972, p. 142); esta prisão é também referida por M. Löwy, A evolução política de Lukács: 1909-1929, cit., p. 244-245) e por Tibor Szabó, György Lukács. Filosofo autônomo (Nápoles, La Cittá Del Sole, 2005, p. 51), que recorda que ingualmente seu enteado (Ferenc Jánossy) esteve nos cárceres stalinistas.

23 São exemplos bastantes, ademais da obra sobre Hegel (concluída em 1938 e publicada dez anos depois) e dos textos reunidos nos Escritos dos Moscou, dentre outros, os ensaios A fisionomia intelectual dos personagens artísticos (1936), Tribuno do povo ou burocrata (1940), Progresso e reação na literatura alemã e A literatura alemã na era do imperialismo (ambos de 1944-1945, reunidos depois num volume sob o título geral de Breve história da literatura alemã).

24 Um exemplo emblemático dos procedimentos lukacsianos diante de Stalin aparece na entrada dos anos 1950. Em 20 de junho de 1950, o secretário-geral publicou, no Pravda, um longo artigo “O marxismo e os problemas da linguística” em que criticava as teses do linguista N. J. Marr. (Sobre o contexto imediato em que Stalin preparou o citado artigo, ver o cap. 10 de Z. A. Medvedev, Um Stalin desconhecido, Rio de Janeiro, Record, 2006.) Pois bem: cerca de um ano depois (29 de junho de 1951), Lukács pronunciou na Academia de Ciências da Hungria a conferência “Arte e literatura com superestrutura”, na qual, após render homenagens formais ao texto de Stalin, realiza uma “interpretação” do seu pensamento que é, de fato, uma refutação das suas teses.

25 Uma larga bibliografia trata da relação entre Lukács e o stalinismo; a título meramente ilustrativo, ver George Lichtheim, “Lukács and stalinism”, New Left Review, Londres, n. 91, 1975; Michael Löwy, “Lukács and stalinism”, em Gareth Stedman Jones ET AL., Western marxism. A critical reader, Londres, Verso, 1978 (com modificações, este ensaio foi concluído em Michael Löwy, A evolução política de Lukács, cit.); José Paulo Netto, “Lukács e a problemática cultural da era stalinista”, “Temas de ciências humanas, São Paulo, n. 6, 1979; Alberto Scarpono, “Lukács critico dello stalinismo”. Critica marxista, Roma, v.17, n. 1, gennaio-febbraio 1979; Cliff Slaughter, Marxismo, ideologia e literatuta, Rio de Janeiro, Zahar, 1983, cap. 4; Eugene Lunn, Marxism and modernism. An historical study of Lukács, Brecht, Benjamin and Adorno, Bekerley, University of Califérnia press, 1982; Nicolas Tertulian, “G. Lukács e o stalinismo”, Práxis, Belo Horizonte, n. 2, set. 1994); I. Mészáros, Para além do capital. Rumo a uma teoria da transição, São Paulo/Campinas, Boitempo/UNICAMP, 2002; Arpad Kadarkay, Georg Lukács. Life, thoughs and politics, Cambridge, Mass., Basil Blackwell, 1991. Num pequeno texto de Nicolas Tertulian, “Lukács hoje” (em M. O. Pinassi e Sérgio Lessa, org., Lukács e a atualidade do marxismo, São Paulo, Boitempo, 2002), também se encontram referências significativas sobre a relação aqui sinalizada.

26 Algumas apontadas em textos indicados na nota anterior e outras indicadas e diferencialmente problematizadas, por exemplo, em Marzio Vacatello, Lukács. Da Storia e coscienza di classe al giudizio sulla cultura borghese, Florença, La nuova Itália, 1968; G. H. R. Parkinson, org., Georg Lukács. El hombre, su obra, sus ideas, Barcelona, Grijalbo, 1972; Ernst Bloch ET AL., Aesthetics and politics, London, Verso, 1980; Francisco Posada, Lukács, Brecht e a situação atual do realismo socialista, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1970; Giuseppe Bedeschi, Introduzione a Lukács, Roma/Bári, Laterza, 1970; Helga Gallas, Teoria marxista de la literatura, México, Siglo XXI, 1977; Fredric Jameson, Marxismo e forma. Teorias dialéticas da literatura no século XX, São Paulo: Hucitec, 1985: George Steiner, Linguagem e silêncio: ensaios sobre a crise da palavra, São Paulo, Companhia das Letras, 1988; Terry Eagleton, A ideologia da estética, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1993; Eva L. Corredor, org., Likács after communism. Interviews with contemporary intellectuals, Durham/London, Duke University Press, 1997; Celso Frederico, Marx, Lukács: a arte na perspectiva ontológica, Natal, EDUFRN, 2005; Carlos Nelson Coutinho, Lukács, Proust e Kafka. Literatura e sociedade no século XX, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2005. Críticas às concepções estéticas desenvolvidas por Lukács a partir dos anos 1930 encontram-se também em Galvano della Volpe, Crítica do gosto, Lisboa, Estampa, s.d., e em Theodor W. Adorno, Teoria estética, Lisboa, Edições 70, 1988.

27 Para além do debate frequentemente genérico e equivocado acerca do (ou não) “stalinismo político” de Lukács, neste âmbito a investigação que aqui se faz necessária ainda é muito pouco substantiva; ademais de dois dos textos citados na nota 25 – o de Löwy, cuidadoso e sério; o de Slaughter, bilioso – o ensaio de Marco Macciò, “Las posiciones teóricas y políticas Del último Lukács” (Cuadernos de pasado y presente, Códoba, n. 16, sept. 1970) e o artigo muito ruim de François Fejtö, “György Lukács et la politique” (Esprit, Paris, n. 106, oct. 1985) mostram o quanto são quase inexistentes estudos detalhados. Mesmo no que se refere à relação teórica entre as concepções gerais do último Lukács (filosóficas e políticas) e sua opção prático-política, um debate mais denso ainda não se realizou, embora já haja contribuições iniciais que merecem citação (como é o caso das contidas no livro de I. Mészáros referido na nora 25), inclusive no Brasil; vale referir as intervenções de fato colidentes, de Carlos Nelson Coutinho, no ensaio “Lukács, a ontologia e a política”, cit., e de Sérgio Lessa, “Lukács: direito e política”, recolhido em Maria Orlanda Pinassi e Sérgio Lessa (org.), também citado na nota 25; Sérgio Lessa, aliás, em um opúsculo mais recente (Lukács. Ética e política, Chapecó, Argos/Editora Universitária, 2007) reorienta muito problematicamente a sua análise anterior.

28 Ver “As tarefas da filosofia marxista na nova democracia”, em G. Lukács, O jovem Marx e outros escritos de filosofia, cit., p. 55 e ss.

29 Lukács mesmo reconheceu esta conexão. Comentando a insinceridade da autocrítica a que se submeteu em 1929, quando da derrota das Teses de Blum, escreveu, como se via na nota 18: “Era evidente que esta autocrítica não podia ser levada a sério: a mudança da opinião fundamental que sustentava as teses […] passou a ser doravante o fio condutor para minha atividade teórica e prática”

30 Sobre os personagens aqui referidos, ver, infra, as notas 11, 15 e 4 e do texto “Para além Stalin”, O “processo” contra Lukács foi notavelmente narrado por I. Mészáros no seu artigo “El debate sobre Lukács y sus consecuencias: Révai y El zdanovismo”, coligido em G. Steiner ET AL., Lukács, Buenos Aires, Jorge Alvarez, 1969; ver também M. Merlau-Ponty, As aventuras da dialética, São Paulo, Martins Fontes, 2006. Para uma reconstrução do clima do “ano da mudança”, não só na Hungria, cf. Fernando Claudín, A crise do movimento comunista, São Paulo, Global, 1986, v. 2, p. 511 e ss.

31 Sobre Rudas, ver, infra, a nota 13 do texto “Para além Stalin”. Joseph Révai (1898-1959), publicista, antigo companheiro de lutas de Lukács, exilado durante as duas guerras, tornou-se o principal ideólogo do regime de Rakosi, sendo ministro da Cultura de 1949 a 1953; suas acusações a Lukács encontram-se em seu livro La littérature et la démocratie populaire: à propos de Georges Lukács, Paris, La Nouvelle Critique, 1950. Joseph Darvas (1913-1973), romancista, ocupou cargos ministeriais no regime de Rakoi. Marton Horváth (1906-1987) foi membro do Comitê Central do Partido húngaro de 1944 a 1956 e, na primeira metade dos anos 1950, seu responsável por agiação e propaganda.

32 G. Lukács, Pensamento vivido, cit., p. 117. Recorde-se que, em 28 de junho de 1948, o Centro de Informação dos partidos Comunistas (Komminform) divulgou a “condenação” da direção comunista iugoslava, liderada por Tito (Josip Broz, 1892-1980).

33 Escrevendo em 1967, Lukács afirmava ser esta sua autocrítica “inteiramente formal”, fato aliás denunciado por seus oponentes (J. Révai, M. Horváth): ver o seu prefácio a Arte e societá, Roma, Riuniti, 1977, v. 1, p. 19. Mas admitindo, anos depois, que fez excessivas concessões nesta autocrítica, o velho filósofo acrescentou: “Como justificação posso dizer que, se Rajk foi executado na Hungria, não se podia ter uma garantia séria de que, no caso de haver oposição, não nos poderia acontecer coisa semelhante” (Lukács, Pensamento vivido, cit., p. 117). N. Tertulian, no texto já citado na nota 25, “Lukács hoje”, reproduz o comentário de Lukács a um interlocutor em 1962, referindo-se à sua atitude em face dos debates de 1949/1950: “Se naquela época eu não tivesse feito a minha autocrítica, estaria agora num túmulo sendo venerado. […] Eu teria sido enforcado e logo em seguida reabilitado com todas as honras”.

34 Sobre a insurreição húngara de 1956, ver, para interpretações muito diferenciadas, I. Mészáros, La rivolta degli intellectuali in Ungheria, Turim, Einaudi, 1958; François Fejtö, La tragédie hongroise, Paris, Pierre Horay, 1958; Tamás Aczél e Tibor Méray, The revolt of the mind: a case history of intellectual resistance behind de Iron Curtain, Londres, Thames & Hudson, 1960; Jean-Paul Sartre, O fantasma de Stalin, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1967; Fernando Claudín, A oposição no “socialismo real”. União Soviética, Hungria, Polônia, Tcheco-Eslováquia 1953-1980, Rio de Janeiro, Marco Zero, 1983.

35 Kostas Papaionnou, Marx et les marxistes, Paris, Flammarion, 1972, p. 17.

36 Fernando Claudín, cit., p. 163-164.

37 Tibor Déry (1894-1979), figura exponencial da literatura húngara, condenado à prisão em 1957 e anistiado em 1960. Sobre Illiés, ver, infra, nota 43 do texto Testamento político. István Mészáros (1930), discípulo de Lukács, emigrou na sequencia dos eventos de 1956, radicando-se na Inglaterra; muitas de suas obras foram publicadas no Brasil.

38 Sobre tais eventos, ver as evocações do filósofo em G. Lukács, Pensamento vivido, cit., p. 131-137, 168-169.

39 Saldo da luta: “aproximadamente 2.000 mortos e 13.000 feridos em Budapeste, 700 mortos e 1.500 feridos no resto do país. Foram encarcerados milhares de combatentes, em sua maioria operários jovens. A imprensa húngara informou, nos meses seguintes, sobre até 105 execuções” (F. Claudín, A oposição no “socialismo real”, cit., p.162).

40 K. Axelos, “Prefácio” a G. Likács, Histoire et conscience de classe. Essais de dialectique marxiste, Paris, Minuit, 1965, p.3.

41 Lukács só é readmitido no Partido em 1967.

42 Parte do material dessa campanha foi publicada em português: de Béla Fogarasi (1891-1959, filósofo antes próximo a Lukács), o artigo “As concepções filosóficas de Georg Lukács” (divulgado na edição em português da revista internacional patrocinada pela União Soviética, Problemas das Paz e do Socialismo, n. 4, 1959), e de Joseph Szigeti (nascido em 1921, ex-aluno de Lukács), “Relação entre as ideias políticas e filosóficas de Lukács” (Estudos Sociais, Rio de Janeiro, n. 5, 1959). De fato, a campanha contra Lukács esgota-se na entrada dos anos 1960.

43 Ver Pensamento vivido, cit., p. 169.

44 Lukács considerava que o stalinismo, ao promover a paralisia do pensamento marxista, respondia também pela ausência de uma crítica substantiva ao capitalismo contemporâneo – crítica que deveria enfatizar o seu caráter manupilatório. Na exigência de um “renascimento do marxismo”, Lukács chegava a exagerar, afirmando que a última pesquisa criativa sobre o capitalismo era o livro de Lenin sobre O imperialismo (1916) e insistia na necessidade de se escrever um O capital do século XX.

45 Ver G. Lukács, “The twin crises”, New Left Review, Londres, n. 60, 1970.

46 Sobre esta “escola” (Agnes Heller, Férenc Féher, G. e M. Markus, M. Vajda), ver o prefácio de Jean-Michel Palmier a Agnes Heller, La théorie des besoins chez Marx, Paris, UGE-10/18, 1978; depois da morte de Lukács, este grupo transitou para posições teóricas e ideológicas antagônicas às de Lukács. É preciso não identificar esta “Escola de Budapeste” com o que outros estudiosos vêm designando como “escola de Lukács” : cf. Tibor Szabó, György Lukács. Filosofo autonomo, cit., p. 225-238.

47 É também o período em que suas ideias ganham crescente difusão no Ocidente, com o início da publicação de sua obra completa pela editora alemã-ocidental Luchterhand e a ampla repercussão de versões de seus textos em italiano, inglês e castelhano. Nos finais dos anos 1960, sua ativa participação na campanha internacional em defesa da comunista norte-americana Angela Davis (nascida em 1944), torna-o ainda mais conhecido.

48 Sobre os eventos na Tchecoslováquia, ver, entre outros: Roger Garaudy, La liberte em sursis: Prague, 1968, Paris, Fayard, 1968; ” L’intervention em Tchecoslovaquie, pourquoi?” , Cahiers Rouge, Paris, n. 5, 1969; Pierre Broué, A primavera dos povos começa em Praga, São Paulo, Kairís, 1979; Fernando Claudín, A oposição no “socialismo real”, cit.

49 M. Löwy, no texto já citado (A evolução política de Lukács, p. 252), anotou: “Jovens estudantes revolucionários da Europa Ocidental, que visitavam Lukács por volta de setembro de 1968, ficaram espantados com a severidade da sua crítica quanto à URSS e, por outro lado, seu interesse profundo pelos acontecimentos de maio na França. Lukács compreendia a relação dialética entre as duas crises, a do stalinisno e a do mundo burguês”.

50 M. Löwy, cit., p.254; daí extraímos a frase de Lukács citada pouco antes.

51 É notável o fato de Lukács, reconhecendo expressamente a necessidade de análises capazes de aprender os traços contemporâneos da ordem capitalista, pensar as transformações próprias à auto-reforma do socialismo – elas igualmente contemporâneas – com as categorias leninianas, sem submetê-las a qualquer atualização e/ou crítica.

52 Afirmação que, também ela, pode prestar-se a mal-entendidos: ver os apontamentos de N. Tertulian, no artigo citado na nota 25 (p. 30-32).

[LUKÁCS, György. Socialismo e democracia: escritos políticops 1956-1971. Organização, introdução e tradução Carlos Nelson Coutinho e José Paulo Neto. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2008, p. 7-31]

 


Cronologia da vida e da obra de Lukács

 György Lukács (1885-1971)1885 Nasce em Budapeste, a 13 de abril, segundo filho de Józef von Luács e Adél Wertheimer.

1902 Ingressa na Universidade de Budapeste, publica seus primeiros textos na imprensa húngara e frequenta reuniões do “Círculo de Estudantes Socialistas Revolucionários”, criados por Erwin Szabó.

1904 É um dos fundadores do grupo teatral Thalia.

1906 Doutora-se em direito pela Universidade de Budapeste. Colabora com a revista progressista húngara Huszadik Század (Século XX). A leitura dos Uj Versek (Novos poemas), de Endre Ady, impressiona-o profundamente.

1908 Recebe, pelo seu texto ainda inédito História do desenvolvimento do drama moderno, o Prêmio Kristina, da Sociedade Kisfaluddy. Torna-se colaborador da revista Nyugat (Ocidente).

1909 Trava relações com Endre Ady e torna-se amigo de Béla Balázs, a cuja obra poética dedica um livro. Tem um tumultuado relacionamento amoroso com Irma Seidler, que se suicida algum tempo depois. Dedica a esta trágica experiência um ensaio intitulado “Sobre a pobreza do espírito”. Doutora-se em Filosofia pela Universidade de Budapeste.

1910 Viagens à Alemanha, França e Itália. Trava relações com Georg Simmel e conhece Ernst Bloch.

1911 Publica a História do desenvolvimento do drama moderno e, também em alemão, A alma e as formas. É um dos fundadores da revista Szellem (Espírito).

1912 Vive em Florença. Por sugestão de E. Bloch, transfere-se para Heidelberg.

1913-1915 Em Heidelberg, relaciona-se com Ferdinand Tönnies, Max Weber e Emil Lask. Estuda a obra de Hegel. Trabalha numa Estética, que deixou inconclusa e só foi publicada postumamente; projeta um livro sobre Dostoiévski. Conhece sua primeira mulher, Ieliena A. Grabenko. Publica Cultura estética (1913).

1916 Publica, em revista especializada, A teoria do romance.

1917 Em Budapeste, anima o “Circulo Dominical”, frequentado por Béla Fogarasi, Arnold Hauser, Karl Mannheim e Eugene Varga. Publica A relação sujeito-objeto na estética. Recebe com entusiasmo as primeiras notícias sobre a Revolução Bolchevique.

1918 Retoma o exame de Marx (que conhecia desde a preparação de História do desenvolvimento do drama moderno) e, sob a influência de E. Szabó, lê Rosa Luxemburg e Georges Sorel. Publica o ensaio “O bolchevismno como problema moral”. A 2 de dezembro, ingressa no Partido Comunista.

1919 Com a queda da monarquia dos Habsburgos e a proclamação, em março, da República Soviética da Hungria, torna-se Vice-Comissário do Povo para a Cultura e a Educação Popular. Após a derrota da república, em agosto, sob a violenta repressão de Horthy, é um dos dirigentes clandestinos do Partido Comunista. Em setembro, exila-se na Áustria. Condenado à morte pelo regime de Horthy, é preso em Viena, em outubro; sua extradição é evitada graças à mobilização de intelectuais alemães. Publica Tática e ética, seu primeiro livro de inspiração marxista.

1920 Torna-se co-editor de Kommunismus (Comunismo), órgão teórico da Internacional Comunista. Casa-se com a companheira de sua vida, Gertrud Bortstieber, viúva do matemático Imre Jánossy. Sob a forma de livro, publica A teoria do romance.

1921 Na luta interna que se trava no Partido húngaro, alinha-se com a fração de Jeno Landler, opositor de Béla Kun; representando esta fração, participa, em Moscou, do III Congresso da Internacional Comunista.

1922 Aprofunda seus estudos sobre Marx e começa sistematicamente a leitura de Lenin.

1923 Publica História e consciência de classe. Estudos spbre a dialética materialista, coletãnea de textos escritos depois de sua adesão ao comunismo.

1924 História e consciência de classe recebe as primeiras críticas nas instâncias oficiais do movimento comunista. Publica Lenin: a coerência de seu pensamento.

1926 Publica Moses Hess e o problema da dialética idealista.

1928 Com a morte de J. Lander, assume a liderança da corrente anti-Béla Kun no interior do partido húngaro. Prepara documentos para o II Congresso do Partido.

1929 Clandestino, permanece três meses na Hungria, em tarefas partidárias. Apresenta, no II Congresso do Partido, as “Teses de Blum” (Blum era o seu nome na clandestinidade); derrotado e ameaçado de expulsão, faz autocrítica e afasta-se de atividades diretamente políticas por quase três décadas.

1930-1931 Vai para Moscou, onde pesquisa no Instituto Marx-Engels-Lenin, então dirigido por David Riazanov. Conhece os ainda inéditos Manuscritos econômico-filosóficos de 1844, de Marx. Estabelece relações com Mikgail A. Lifschitz, a quem dedicará mais tarde, “com veneração e amizade”, o seu O jovem Hegel.

1931-1933 Vive semiclandestino em Berlim (sob o pseudônimo de Keller). Tem ativa intervenção na revista Die Linkskurve (Giro à esquerda), órgão da Federação de Escritores Proletários Revolucionários, vinculada ao Partido Comunista alemão. São deste período ensaios que discutem a relação entre realismo e “literatura proletária”, tais como “Tendência ou partidarismo” e “Reportagem ou configuração”.

1933-1940 Regressando a Moscou, desenvolve intensa atividade intelectual, de que resultam inúmeros ensaios, entre os quais: “Friedrich Engels, teórico e crítico da literatura”, “Tolstoi e a evolução do realismo” e “Heinrich Heine como poetra nacional” (1935), “A fisionomia intelectual dos personagens artísticos”, “A comédia humana da Rússia pré-revolucionária” e “A tragédia de Heinrich von Kleist” (1936), “O escritor e o crítico” (1939), “Tribuno do povo ou burocrata” (1940), quase todos pósteriormente coletados em livros. Torna-se membro do Instituto Filosófico da Academia de Ciências da União Soviética e do conselho editorial de várias revistas culturais. Em 1937-1938, é figura cemtral nos debates em que se envolve a intelectualidade exilada (Ernst Bloch, Bertolt Brecht e Anna Seghers), nos quais critica o expressionismo alemão e insiste na defesa de uma literatura capaz de assimilar a herança cultural do realismo crítico burguês. Começa a pesquisar as relações entre o irracionalismo filosófico e o fascismo. Publica O romance histórico, em 1937, e, um ano depois, conclui seu estudo sobre O jovem Hegel, publicado em 1948.

1941-1944 Em 1941, a polícia política stalinista o prende, sob o falso pretexto de, nos anos 1920, ter sido trotskista; é libertado graças ao empenho de seu amigo de joventude Eugene Varga (que se tornara importante economista na União Soviética) junto a Gueorgui Dimitrov, então dirigente máximo da Internacional Comunista.

1945-1949 Retorna à Hungria libertada e empenha-se na construção da nova democracia: participa do Conselho Nacional da Frente Popular Patriótica, da direção da Academia de Ciências da Hungria, assume a cátedra de Estética e Filosofia da Cultura na Universidade de Budapeste e funda a revista cultural Forum. Realiza várias viagens à Europa Ocidental, participando de encontros internacionais, seminários e colóquios. Recebe o Prêmio Kossuth e é membro fundador do Conselho Mundial da Paz. Em 1948, na Suíça, publica seu estudo sobre O jovem Hegel. No Partido e no Estato húngaros, polarizam-se posições ideológicas, com a vitória da corrente ligada a Rakosi, expressão local do dogmatismo stalinista; desta vitória resulta a execução do líder da corrente opositora, Rajk. Publica, em 1947, Goethe e seu tempo e Crise da filosofia burguesa (que, na tradução francesa parcial, terá o título de Existencialismo ou marxismo?).

1949-1951 Reflexo da vitória de Rakosi, abre-se a “questão Lukács”: a intelectualidade oficial ― L. Rudas, o ex-discípulo J. Révai, M. Horwath, J. Darvas ― critica injuriosamente a sua obra. A revista Forum é fechada e a campanha contra ele se desenvilve também na União Soviética (com o romancista Alexander Fadeiev reclamando até a adoção de medidas adminstrativas). Pressionado, faz nova autocrítica ― considerada por Révai como “meramente formal” e por ele próprio, em declarações posteriores, como “cínica” ― e é obrigado a retrair-se à vida privada. Publica O realismo russo na literatura universal, Thomas Mann (1940) e Realistas alemães do século XIX (1951).

1952 Publica Balzac e o realismo francês.

1954 Publica A destruição da razão e Contribuições à história da estética.

1956 Na sequência do XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética, os Estados socialistas experimentam um período de efervescência política, aflorando as aspirações democráticas, particularmente fortes na Hungria. Volta à cena pública, em junho, com a conferência “A luta entre o progresso e a reação na cultura contemporânea”, pronunciada no “Círculo Petöfi”, e com a criação (juntamente com Tibor Déry, Gyula Illés e István Mészáros) da revista Eszmélet (Tomada de consciência). Em meio a enorme mobilização popular, o Partido húngaro entra em crise aberta e Rakosi cai. A 23 de outubro, constitui-se um novo ministério, liderado por Imre Nágy, disposto a democratizar o país, ao mesmo tempo em que se cria um comitê para a refundação do Partido; no governo Nágy, assume o Ministério da Cultura; participa da comissão encarregada de dar nova forma à organização partidária. Opõe-se à proposta de saída da Hungria do Pacto de Varsóvia, bem como ao apelo de Nágy à intervenção da ONU. A crise tem seu desfecho na brutal invasão soviética e obriga-o a asilar-se na embaixada da Iugoslávia. É deportado para a Romênia, onde permanece prisioneiro.

1957-1961 Obtém permissão para regressar a Budapeste. É-lhe exigida nova autocrítica; ante sua recusa, consuma-se a perda da cátedra universitária; não é admitido no Partido refundado e nova campanha de descrédito (iniciada por Joseph Szigéti e engrossada por Bela Fogarasi) é organizada contra ele. Em 1957, publica na Itália os Prolegômenos a uma estética marxista e A significação presente do realismo crítico. Até seu retorno ao Partido húngaro, ocorrido em 1967, sues livros deixam de ser publicados na Alemanha Oriental e passam a sê-lo na Alemanha Ocidental.

1962 A revista italiana Nuovi Argomenti divulga a sua “Carta sobre o stalinismo”. Na Alemanha Ocidental, a editora Luchterhand anuncia a publicação das suas Obras completas. Conclui a primeira parte da sua Estética e anuncia sua pretensão de escrever uma Ética.

1963 Pela Luchterhand, sai a primeira parte (a única que redigiu) de sua estética, com o título Estética I: A peculiaridade do estético. Em abril, morre Gertud Bortstieber, sua mulher. Publica o ensaio “Sobre o debate entre a China e a União Soviética”, onde toma posição a favor da política de paz da direção kruscheviana da União Soviética.

1964 São-lhe feitos os últimos ataques pela intelectualidade oficial húngara. Publica o ensaio “Problemas da coexistência cultural”.

1966 Concede a Hans Heinz Holz, Leo Kpfler e Wolfgang Abendroth uma longa entrevista, publicada em livro, na Alemanha ocidenntal, sob o título Conversando com Lukács. Decide, antes de empreender a redação da Ética (projeto nunca concluído), elaborar um texto introdutório sobre a Ontologia do ser social, que se autonomizaria, adquirindo grandes dimensões e sendo publicado só postumamente. A editora Grijalbo, com sede na Espanha e no México, inicia, com a Estética I, a edição em castelhano das suas Obras completas, a qual, depois de vários volumes, restará inconclusa.

1967 Autoriza, pela primeira vez, uma reedição de História e consciência de classe, como parte do volume III de suas Werke, para o qual escreve um longo prefácio. A seu pedido, é reintegrado no Partido húngaro. Com isso, volta a possibilidade de ser publicado em seu país. Prepara uma densa antologia de seus escritos sobre arte, de 1910 até os anos 1960, publicada três anos depois em húngaro sob o título Arte e sociedade.

1968 Critica, no interior do Partido húngaro, a intervenção das tropas do Pacto de Varsóvia na Tchecoslováquia, mas evita tornar pública sua posição. Com a primeira redação da Ontologia do ser social praticamente concluída, dedica-se a um ensaio sobre a questão da democracia, que pretendia publicar na Itália, por Riuniti, editora então ligada ao Partido Comunista Italiano. Concluído o ensaio, Lukács submeteu o texto à direção do Partido húngaro, que lhe pediu que esperasse dez anos para publicá-lo. O ensaio, com o título Democratização ontem e hoje, só foi publicado no original alemão em 1985, quase quinze anos após sua redação. Conheceu depois edições em diferentes línguas (italiano, francês, inglês).

1969 Recebe o título de doctor honoris causa da Universidade de Zagreb.

1969-1970 O grupo intelectual que lhe era próximo, mas que depois romperia com sua orientação (a então chamada “escola de Budapeste”: Agnes Heller, Ferenc Fehér, György Márkus e Mihály Ajda), faz uma série de críticas ao manuscrito original da Ontologia do ser social. Embora sem aceitar tais críticas, mas insatisfeito com alguns aspectos deste original, inicia a redação de um novo manuscrito para clarificar algumas de suas posições. Tal como o primeiro, também este segundo manuscrito só será publicado postumamente, com o título Prolegômenos a uma ontologia do ser social. Questões de princípio de uma ontologia hoje tornada possível. Na literatura kukacsiana, os dois manuscritos passaram a ser conhecidos, respectivamente, como “grande” e “pequena” ontologia.

1970 Recebe o título de doctor honoris causa da Universidade de Ghent e o Prêmio Goethe. Publica o livro Soljenitsin, no qual assume claramente a defesa do escritor contra os seus opositores soviéticos.

1971 A 4 de junho, em consequência de um câncer pulmonar, falece em Budapeste. Pouco antes, já consciente do caráter terminal de sua doença, escreve alguns apontamentos autobiográficos e concede uma longa entrevista a István Éorsi, na qual explicita os temas sugeridos nestes apiontamentos. Estes últimos e a entrevista foram publicados, em 1980, com o título Pensamento vivido. Autobiografia em forma de diálogo.

1973 É encontrado em Heldelberg um conjunto de cerca de 1.650 cartas, parte da sua correspondência entre 1900 e 1917. Muitas delas foram publicadas mais tarde, em diferentes línguas, com o título Correspondência de juventude 1908-1917.

1974 Divulgam-se, pela primeira vez no Ocidente, alguns rensaios sobre questões de teoria literária, que redigiu em Moscou entre 1933 e 1944. Na edição francesa, tais ensaios formam um livro intitulado precisamente Escritos de Moscou.

1976-1986 Os dois volumes de Para a ontologia do ser social são publicados na Itália, respectivamente em 1976 e 1981. Somente em 1986, como volumes 13 e 14 de suas Werke, a obra aparece no original alemão, precedida da chamada “pequena Ontologia”, que será também publicada em italiano em 1990. Há ainda uma edição húngara integral das duas “ontologias”.

[LUKÁCS, György. O jovem Marx e outros escritos de filosofia. Organização, apresentação e tradução Carlos Nelson Coutinho e José Paulo Neto. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2009, p. 15-23]

 

Jornalistas não: Arautos do Rei


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A passagem da sociedade tradicional

Este importante livro sobre os relatórios e interpreta os estudos implementados principalmente durante 1950, em seis países árabes do Oriente Médio: Turquia, Líbano, Egito, Síria, Jordânia e Irã. Os entrevistadores proporcionou um extenso questionário de 111 itens para 2.000 pessoas. Destes, cerca de 1600 questionários foram utilizados na elaboração deste livro.

As perguntas visavam opiniões e reações aos meios de comunicação modernos, como isso afetou as atitudes e opiniões dos entrevistados sobre si, sua comunidade, nação e do mundo. O pressuposto do autor é que as pessoas modernas desenvolver a capacidade de ir além de si mesmo e seu ambiente local, a fim de compreender ou simpatizar com os outros em situações distantes. Essas pessoas são capazes de tornarem-se participantes nas nações modernas e com a comunidade global.

É uma hipótese principal deste estudo que a capacidade empática alta é o estilo predominante pessoais apenas na sociedade moderna, que é distintamente industriais, urbanos, alfabetizados, e participante. A sociedade tradicional é não participante, que implanta pessoas por parentesco em comunidades isoladas umas das outras e de um centro, sem uma divisão urbano-rural do trabalho, desenvolve algumas necessidades que exigem interdependência econômica, sem os vínculos de interdependência, os horizontes das pessoas são limitados por localidade e suas decisões envolvem apenas outras pessoas em situações CONHECIDO CONHECIDO. (Grifo do autor) (p. 50)

Este livro tenta desenvolver uma tipologia de transição cultural. Lerner vê “Modernos”, como cosmopolitas, urbanos, alfabetizados, altamente especializado em sua vocação, financeiramente mais estável, capaz de entender situações do mundo diferentes, interdependentes e mais secular do que devota.

“Tradicionais” são vistos como rural, não-alfabetizados, que vivem em um nível de subsistência, altamente respeitoso da autoridade, possuindo uma visão de mundo local, e geralmente devotos.

E entre eles está o “transicionais”. O autor coloca-los em várias categorias, dependendo de sua proximidade com um estilo de vida moderno. “Transicionais são pessoas que compartilham alguns dos empatia e mobilidade psíquica dos Modernos, enquanto faltam elementos essenciais do estilo moderno, nomeadamente de literacia … transicional é definido como aquele que atende a mídia de massa, mas não pode ler.” (Introdução, p. 13)

VOZES DA VELHA E AS ORDENS TROCA

Em 1950, um entrevistador encontrado em uma pequena vila não muito longe de Ankara, Turquia, um chefe e um merceeiro. Fascinado pelo que estes dois homens representavam, Lerner descreve como “Uma Parábola” em seu primeiro capítulo. Perguntado sobre a satisfação com sua vida, o chefe tradicional responde: “O que poderia ser convidado para mais? Deus me trouxe a esta idade madura, sem muita dor, me deu filhos e filhas, me colocou na cabeça da minha aldeia, e deu-me a força do cérebro e do corpo nessa idade Graças. estar com Ele “.

Para tais sondas em sua vida, a cidade mais bem vestida, de transição, e as respostas merceeiro inquieto:

Eu disse a você que eu quero coisas melhores. Eu teria gostado de ter uma loja grande supermercado na cidade, tenho uma bela casa lá, vestido em roupas civis agradável.

Eu não sou como os outros aqui. Eles não conhecem nada melhor. E quando eu digo a eles que estão zangados e dizem que sou um ingrato por aquilo que Deus me deu.

Quando lhe perguntaram o que fariam sobre os problemas da Turquia, se fosse o presidente, as respostas de três pessoas em Balgat são significativos:

Os estados mais pobres pastor, “Meu Deus! Como você pode dizer tal coisa? Como pode dominar I. .. Eu não posso … um aldeão pobre … de todo o mundo? “

O chefe acrescenta: “Eu sou quase incapaz de gerir uma aldeia, como devo gerir a Turquia?

O merceeiro responde: ‘Gostaria de fazer estradas para os moradores de vir para as cidades de ver o mundo e não deixá-los permanecer em seus buracos por toda a vida. “

Aqui é como estes mesmos homens responderam ao desafio: “Vamos supor que você teve de deixar a Turquia”

As notas de pastor, “eu preferiria me matar.”

As ofertas chefe, ‘Nowhere. Eu nasci aqui, cresceu antigo aqui, e espero que Deus me permita morrer aqui. Eu não iria mover um pé aqui. “

O merceeiro explica, “para a América porque ouvi dizer que é um país bonito, e com possibilidades de ser rico, mesmo para a pessoa mais simples.” (Pp. 23-25)

O merceeiro era o menos, gostava pessoa Balgat, mas foi com ele que o povo veio para aconselhamento sobre a cidade.

A infelicidade da transição é expresso de outra forma por um cabeleireiro Sírio, “Eu sou analfabeto e assim pode não entender nada sobre a vida. Outra coisa que me faz infeliz é a minha incapacidade de ensinar o meu filho único, e não consigo encontrar o caminho como fazer isso. ” (P. 289)

MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL E TRANSIÇÃO

Descrevendo o efeito da mídia sobre os jovens beduínos na Jordânia, o autor dirige uma secção (p. 326) “PIERCING O isolado de armadura: Nossa teoria nos exorta a procurar aqueles que estão se tornando externamente orientada através da exposição à mídia moderna.” Ele acha que “os jovens beduínos ainda são mantidos em linha por autoridade patriarcal”:

Cinema é ruim e não tem nada bom para me oferecer. (Como você sabe isso?) Isso é o que meu pai me diz, e eu acredito nele … Eu não sei o rádio. Mas eu ouvi o nosso ancião dizendo-nos que é um dispositivo de mau e perigoso para o nosso personagem. O que ele diz eu acredito.

Mas alguns jovens beduínos se tornou ressentido e resistente.Ele acrescenta que é

… Bem infeliz … porque nós não somos livres para fazer o que queremos em campo. (Como o quê?) Ir ao cinema e ouvir rádios … a ver as coisas boas como as meninas bonitas, cavalos e muito bom combate entre índios e brancos.

RADIO

Este rapaz não se preocupou em aprender a ler ou escrever, mas ele espera ter um rádio, “Só que tem que ser muito pequeno e muito fácil de esconder, para que eu não vou responder a desaprovação do meu pai.”

Outras vozes da Jordânia sintetizar o efeito de rádio:

No começo eu considerava o rádio para ser contra a nossa religião e do diabo está nele, mas quando ouvi o Corão em que eu mudei de idéia e considerou o meu melhor amigo. Eu posso ouvir além do Corão as conversações nas mesquitas e muitos provérbios religiosos, além da música.

O rádio me ensina muitas coisas.

Rádio é um grande amigo em casa que é muito fiel e útil. Eu considero minha melhor amiga.

Rádio é o melhor amigo em casa. Você pode mandá-lo a qualquer momento para parar de falar sem ele estar zangado ou decepcionado …

E Modernos elite da Jordânia acrescentar:

Rádio? Maravilhoso … Uma escola em sua própria. Toma um em todo o mundo em uma sessão.

Rádio é uma necessidade na vida, porque durante esta época de velocidade é preciso saber de tudo assim que ocorre, caso contrário, ele está desatualizado.

CINEMA

Jordanianos tradicional declarar os males dos filmes:

Nós beduínos não precisa do cinema … Aqueles que vão não são homens de verdade. Eles são inúteis e perderam todo o valor da moral.

homens estragar Filmes … Aqueles que vão começar um personagem muito ruim e não são mais homens. Mas se você não for, você é um homem em todos os sentidos da palavra.

Por Deus, nosso cabelo tendas para nós é melhor do que um palácio majestoso. Quais são os cuidados que para os seus filmes?

Aqueles que vão são as pessoas da cidade e todas elas são ruins.

No Líbano, dois Tradicionais idade são específicos sobre os efeitos dos filmes sobre juventude:

Ele estraga a nossa juventude. Desenvolve-se em todos esses sentimentos de jogo, bebida, eles também seguem as meninas.

Filmes exibidos filmes de meninas nuas … com o jogo … Eles ensinam a beijar meninas … por favor convencer meu filho que o cinema é ruim.

Do mesmo país um “entrevistado jovens do sexo masculino, preso em meio de um namoro romântico, passou a fazer filmes estrangeiros para orientação. Outro jovem muçulmana reconheceu o papel tutelar desses filmes.” Ela afirma: “Quando eles vêem uma história de amor cheia de beijos, os homens jovens e as mulheres ficam tão animado como ir diretamente do filme para a prática o que viram.”

Embora alguns tradicionalistas encontraram filmes que aumentou o patriotismo eo valor da coragem, um jordaniano resume seus efeitos negativos:

Os filmes são prejudiciais e estragando o comportamento em geral de pessoas … as pessoas que não vão são muito mais sábio e melhor. Agarram-se aos seus velhos costumes e hábitos. Eles nunca têm tendência a mudar sua situação atual.

JUVENTUDE e uma ordem social em mudança

De acordo com o livro

A regra tradicional de que a idade traz sabedoria, provavelmente funcionou bem em imóvel isolar aldeias, onde a mudança foi lenta e experiência foi o único professor. Quanto mais tempo se vive, mais experiência que ele ganhou e quanto maior for o seu título para a sabedoria. Agora os jovens já não esperam por seu patrimônio. Eles vão para as cidades, ter emprego no âmbito da disciplina moderna, aprender com os jornais e filmes. Em muitos assuntos que estão mais bem informados, talvez ‘sábio’, talvez não do que dos velhos tempos … outros se voltam para os jovens de pareceres e consultoria. A estrutura de mudanças influência na comunidade e na família. (P. 399)

MULHERES JOVENS EM UMA ORDEM DE MUDANÇA

 

Enquanto a família patriarcal se enfraquece, outras antigas rotinas comportamentais são questionados. A regra tradicional que a mulher, por natureza, é inferior, por exemplo, funcionou bem quando ela estava não oferecia alternativas para o seu sexo atribuído ao trabalho e papéis. No entanto, como os homens evoluem fora da agricultura de subsistência rurais, as mulheres já não são contabilizados como unidades essencial da força da família, do trabalho total. A dona de casa muitas vezes mantém uma influência conservadora, mas a filha prossegue novas oportunidades para algumas novas experiências de educação e sedutora. O menino já não é seu pai protégé, a menina já não é reflexo de sua mãe. Portanto, a mobilidade liberta gerações mais jovens, e da estrutura da sociedade tradicional começa a mudar. Como se observa, “A cultura da vaidade masculina, que as instituições underlay tradicional tem-se revelado relativamente indefesos contra as incursões dos meios de comunicação de massa, especialmente o cinema.”

 

   1. Como é que Lerner evitar estereótipos simplistas, como rural-urbana ou analfabetos, alfabetizados em sua análise?
   2. Na sua opinião, o autor mostrar um viés em direção a formas modernas que dificulta a objetividade de seu estudo?
   3. Que tipos de pessoas que o pastor, chefe, e dono de mercearia de Balgat representam? São estes encontrados em todo o mundo?
   4. Como a vida de meninos e meninas a mudança como elementos de modernização toque aldeias rurais?
   5. Que importância você acha dos efeitos da mídia sobre a juventude de transição?
   6. Como é que os papéis sociais de jovens, homens e mulheres mudam com o impacto dos meios de comunicação e educação?
   7. Como pode este estudo (1950) nos ajudam a compreender o mundo de hoje?
   8. O que você gosta mais e menos sobre os povos tradicionais, de transição e moderno e estilo de vida?

 

   1. Lerner e os cientistas sociais dos anos 1950 fornecem um modelo para nos ajudar a compreender o fenômeno de mudança importante em nosso mundo. Pode não ser um modelo perfeito, mas ele fornece uma base para a análise.
   2. É difícil para os ocidentais a perceber as lições aprendidas gradual ao passar do tradicional ao moderno visões de mundo através de 12 a 20 séculos. Aqueles que se estabeleceram na América, por exemplo, veio com séculos de aprendizagem social e transição para trás deixando sociedades comerciais e urbanizada. Para ver esse desenvolvimento gradual da civilização ocidental está a apreciar o trauma e as dificuldades da mudança brusca de costumes tribais ou tradicionais para a vida tecnológica e urbana em outras partes do mundo.
   3. Aqueles que trazem ajuda, desenvolvimento, tecnologia, mídia de massa, ou fé religiosa e instrução para outras culturas devem se esforçar para entender sua própria “bagagem” cultural e preconceitos. Eles devem ser dispostos os alunos, percebendo que a mudança não irá produzir uma replicação de modelos ocidentais, mas uma nova síntese moderna em novas configurações.

 

Sobre uma discussão teórica sobre o papel da comunicação no processo de catalização de revoluções nos países em desenvolvimento, vide o livro de Verônica Lima intitulado Comunicação e Lutas de Classe, que foi escrito em 1978 e ainda está inédito.

Quando o “belo feminino” se torna um pesadelo e uma obrigação


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Quando o “belo feminino”

se torna um pesadelo e uma obrigação

by Revista Espaço Acadêmico in colaborador(a), gênero

por ROSANGELA ANGELIN*

A beleza é, em sua própria essência, algo muito relativo. Prova disto, é que os padrões de beleza modificaram-se no decorrer da história da humanidade. Dentro deste contexto, a mulher continua sendo o alvo mais visado da “estética” corporal dominante em nossa sociedade. A maior propagação dos “modelos de beleza” ocorre através dos grandes meios de comunicação social, os quais reforçam os ditames do consumismo capitalista, construindo um padrão de “beleza” dado como obrigatório.

A corrida desenfreada para as academias de ginástica e para a medicina estética, o uso de produtos dietéticos para emagrecer, a anorexia e a bulimia, revelam uma espécie de “ditadura da beleza” à qual a maioria das mulheres se condiciona em busca de um corpo “perfeito”. Antes considerada um atributo da natureza, a beleza passou a ser encarada como uma questão de “conquista” e, nesta lógica, é necessário investir muito dinheiro e tempo a fim de se alcançar a aprovação da sociedade. A beleza, ou melhor, a feiúra, acabou gerando um lucrativo mercado no mundo capitalista. Com muita propriedade, a escritora americana Noemi Volf afirma, em seu livro O mito da beleza, que a beleza é um sistema monetário assim como o ouro. É o último e o melhor sistema de crenças que mantém a dominação masculina intacta. Assim, o capitalismo usa as mulheres ‘bonitas’ como isca para a venda dos seus produtos, lucrando com a discriminação das consideradas ‘feias’ que buscam o maior número de produtos possíveis para compensarem sua ‘feiúra’.”

A figura da mulher é exposta e explorada como um “objeto”. Os grandes meios de comunicação social vêm desempenhando um papel decisivo, através de revistas, jornais, comerciais, novelas e programas em geral, contribuindo, desta maneira, com a afirmação de um padrão de “beleza”. Um exemplo a ser considerado, são os programas de televisão, principalmente os humorísticos, onde as mulheres são apresentadas, em sua grande maioria, como figuras bonitas e atraentes, porém, imbecis, desprovidas de idéias e vontades. Constantemente, em contraste a esta figura, encontra-se uma mulher feia. Esta, por sua vez é apresentada como uma pessoa chata e desinteressante, embora, algumas vezes dotada de certa inteligência. Estes estereótipos reforçam a idéia de que são os “dotes físicos” de uma mulher que realmente importam.

A discriminação do corpo da mulher também ocorre, de uma forma específica, através da maioria dos concursos de beleza, onde somente as mulheres jovens e que se enquadram nos padrões estéticos impostos, podem participar. Com este intuito, estas mulheres são avaliadas por meros critérios físicos. Analogicamente pode-se comparar os concursos de beleza com as mostras de gado, realizadas em muitos estados do Brasil, onde os animais desfilam na frente dos jurados e juradas que adotam critérios para a avaliação física destes, como por exemplo, o tamanho e a textura dos pernis, das paletas, a postura e desenvoltura do animal e, no caso das vacas, seus úberes.

Lamentavelmente, este exemplo evidencia a forte discriminação da mulher como ser humano, ditada pelo mundo masculino e, muitas vezes, aceita pelas próprias mulheres. A ideologia de “beleza física” acaba gerando uma inversão de valores, nos quais a busca por um corpo perfeito, é considerada um sinônimo de aceitação social, geralmente confundida com a felicidade.

Embora as mulheres, ao longo de muitos anos, com muita luta e persistência, tenham conquistado direitos e se afirmado em vários espaços da sociedade, lamentavelmente, ainda é “normal” continuarmos sendo vistas e consideradas pelos contornos físicos de nossos corpos, o que evidencia um empobrecimento da capacidade de olhar o ser humano.  Como afirma Maria Rita Kehl, “a maior beleza está no corpo livre, desinibido em seu jeito de ser, gracioso porque todo ser vivo é gracioso quando não vive oprimido e com medo. É a livre expressão de nossos humores, desejos e odores; é o fim da culpa e do medo que sentimos pela nossa sensualidade natural; é a conquista do direito e da coragem a uma vida afetiva mais satisfatória; é a liberdade, a ternura e a autoconfiança que nos tornarão belas. É essa a beleza fundamental.”


* ROSANGELA ANGELIN é militante feminista e Doutora em Direito na Universidade de Osnabrück – Alemanha. Publicado na REA, nº 46, março de 2005, disponível em http://www.espacoacademico.com.br/046/46cangelin.htm

A difícil passagem do tecnozóico ao ecozóico


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A difícil passagem do tecnozóico ao ecozóico

  

Ecologia

Leonardo Boff   

 

As grandes crises comportam grandes decisões. Há decisões que significam vida ou morte para certas sociedades, para uma instituição ou para uma pessoa.

A situação atual é a de um doente ao qual o médico diz: ou você controla suas altas taxas de colesterol e sua pressão ou vai enfrentar o pior. Você escolhe.

A humanidade como um todo está com febre e doente e deve decidir: ou continuar com seu ritmo alucinado de produção e consumo, sempre garantindo a subida do PIB nacional e mundial, ritmo altamente hostil à vida, ou enfrentar dentro de pouco as reações do sistema-Terra que já deu sinais claros de estresse global. Não tememos um cataclisma nuclear, não impossível mas improvável, o que significaria o fim da espécie humana. Receamos isto sim, como muitos cientistas advertem, por uma mudança repentina, abrupta e dramática do clima que, rapidamente, dizimaria muitíssimas espécies e colocaria sob grande risco a nossa civilização.

Isso não é uma fantasia sinistra. Já o relatório do IPPC de 2001 acenava para esta eventualidade. O relatório da U.S. National Academy of Sciences de 2002 afirmava “que recentes evidências científicas apontam para a presença de uma acelerada e vasta mudança climática; o novo paradigma de uma abrupta mudança no sistema climático está bem estabelecida pela pesquisa já há 10 anos, no entanto, este conhecimento é pouco difundido e parcamente tomado em conta pelos analistas sociais”. Richard Alley, presidente da U.S. National Academy of Sciences Committee on Abrupt Climate Change com seu grupo comprovou que, ao sair da última idade do gelo, há 11 mil anos, o clima da Terra subiu 9 graus em apenas 10 anos (dados em R.W.Miller, Global Climate Disruption and Social Justice, N.Y 2010). Se isso ocorrer consosco estaríamos enfrentando uma hecatombe ambiental e social de conseqüências dramáticas.

O que está, finalmente, em jogo com a questão climática? Estão em jogo duas práticas em relação à Terra e a seus recursos limitados. Elas fundam duas eras de nossa história: a tecnozóica e a ecozóica.

Na tecnozóica se utiliza um potente instrumental, inventado nos últimos séculos, a tecno-ciência, com a qual se explora de forma sistemática e com cada vez mais rapidez todos os recursos, especialmente em benefício para as minorias mundiais, deixando à margem grande parte da humanidade. Praticamente toda a Terra foi ocupada e explorada. Ela ficou saturada de toxinas, elementos químicos e gases de efeito estufa a ponto de perder sua capacidade de metabolizá-los. O sintoma mais claro desta sua incapacidade é a febre que tomou conta do Planeta.

Na ecozóica se considera a Terra dentro da evolução. Por mais de 13,7 bilhões de anos o universo existe e está em expansão, empurrado pela insondável energia de fundo e pelas quatro interações que sustentam e alimentam cada coisa. Ele constitui um processo unitário, diverso e complexo que produziu as grandes estrelas vermelhas, as galáxias, o nosso Sol, os planetas e nossa Terra. Gerou também as primeiras células vivas, os organismos multicelulares, a proliferação da fauna e da flora, a autoconsciência humana pela qual nos sentimos parte do Todo e responsáveis pelo Planeta. Todo este processo envolve a Terra até o momento atual. Respeitado em sua dinâmica, ele permite a Terra manter sua vitalidade e seu equilíbriio.

O futuro se joga entre aqueles comprometidos com a era tecnozóica com os riscos que encerra e aqueles que assumiram a ecozóica, lutam para manter os ritmos da Terra, produzem e consomem dentro de seus limites e que colocam a perpetuidade e o bem-estar humano e da comunidade terrestre como seu principal interesse.

Se não fizermos esta passagem dificilmente escaparemos do abismo, já cavado lá na frente.

 

 teólogo Leonardo Boff 

  

  

 

Florestan Fernandes, a Escola do MST e o jardim cercado da academia


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Florestan Fernandes, a Escola do MST e o jardim cercado da academia

by Revista Espaço Acadêmico in colaborador(a)

por SILVIA BEATRIZ ADOUE*

Eu quero ser o biscoito fino que um dia o povo há de comer. (Oswald de Andrade)

Quando Lula, após ter vencido o segundo turno das eleições, no discurso da avenida Paulista lembrou de tantos intelectuais que participaram da construção do PT e “esqueceu” de Florestan Fernandes, eu, postada de frente para o palco, não achei aquilo uma injustiça, mas um sinal. Após uma década de progressivo afastamento orgânico dos movimentos sociais, que começou com a medida aparentemente administrativa de dissolução dos núcleos de base, e de uma seqüência de abandonos programáticos tendentes a priorizar a atividade política eleitoral em detrimento da organização popular, o PT deixou de ser uma expressão das lutas para ser expressão daquilo que Florestan chamava de “democracia radical”. Às vezes, nem isso.

Florestan Fernandes militou dentro do PT pelo programa socialista. Em muitas oportunidades falava da sua aspiração a ser “intelectual orgânico” sob essa bandeira. A sua obra de maturidade, A revolução burguesa no Brasil (1975), atesta essa vontade. Nessa aspiração confluíam sua história familiar e sua trajetória intelectual.

Lembro que, numa das primeiras reuniões da campanha para a constituinte, e no meio de um exercício de prospectiva para o Brasil, o velho mestre disse que em cinqüenta anos ele estaria protegido pela morte. Ele estava sendo otimista demais: […] se o inimigo vencer, nem mesmo os mortos estarão a salvo dele. E esse inimigo ainda não parou de vencer” (BENJAMIN, 1991: p.156). Hoje, a sua memória é campo de batalha pelo “controle” do sentido da sua vida e da sua obra.

Alguém pode ficar com uma imagem instantânea do jovem Florestan defendendo a sua tese sobre os tupinambás. Esse “alguém” também poderá colocar o foco na adesão do estudante ao projeto da Missão Francesa para a formação de centros de excelência, nos seus esforços para incorporar o instrumental teórico aprendido com os seus professores ao estudo do Brasil. Muitos de nós, porém, preferimos outra perspectiva para observar a mesma cena: vemos o jovem aspirante sob o olhar agoniado da sua mãe, empregada doméstica, que pouco entendia do tema discutido. A mãe de Florestan, porém, bem percebia que a batalha que o seu filho livrava era a de um rapaz pobre para ter o seu saber reconhecido pela elite acadêmica. Adotar uma determinada perspectiva é, não nos enganemos, uma escolha de classe: a partir de qual lugar olhamos e falamos.

Não havia força suficiente para romper a cerca do jardim do conhecimento. Era preciso atravessá-la e se apropriar das flores alheias, que a elite cultivava. Florestan venceu essa batalha e fez muito mais: entre os acadêmicos foi o primeiro. Modelo de intelectual, professor de professores, cuidou das flores como ninguém. Quando o golpe militar pôs a prova os membros da academia, muitos dos acadêmicos expulsos da universidade refugiaram-se embaixo do guarda-chuvas de patrocinadores como a Fundação Ford. Florestan Fernandes podia ter se limitado a lecionar numa universidade do exterior, cuidando do jardim e replantando de um canteiro ao outro as belas flores do conhecimento sociológico. Teria sido honroso e nem um pouco covarde. Mas ele escreveu A revolução burguesa no Brasil, que fez às vezes de uma dobradiça na sua obra. A escrita desse trabalho, de alguma maneira, mudou sua vida.

Florestan não havia apenas ocupado um lugar na universidade. Não tinha apenas atravessado a cerca do jardim e se apropriado do saber dos acadêmicos, agora ele produzia um saber que fugia dos projetos dos jardineiros. Era uma prospectiva para o Brasil. Um saber fundamental para os militantes, porque problematizava com rigor e teimosia sobre as possibilidades do programa democrático e do programa socialista. Florestan já era o “intelectual orgânico” ainda que sem partido. Participou da construção do PT, pessimista da razão e otimista da vontade. Sem imaginar o PT como um destino, mas como uma possibilidade.

Nos últimos anos, era freqüente a lembrança dos seus tempos de estudante pobre, quando lia Durkheim no bonde. Também era assídua a recordação da época em que trabalhava como garçom e do seu aprendizado “de classe” com o seu colega García, espanhol e anarquista. Mas, de todos esses “flashes”, uma imagem sempre presente era a da presença da sua mãe não letrada na sua defesa de tese, muito mais do que os argumentos da banca e os seus próprios.

É esse mesmo Florestan Fernandes que o MST acolhe dando seu nome à sua Escola Nacional construída em Guararema. Foi ele o primeiro a romper a cerca que separa as grandes maiorias brasileiras do jardim do conhecimento sistematizado. A grande imprensa tem apresentado a escola dos Sem Terra com malícia e ironia. O que pode ser interpretado como mais um episódio no combate às ocupações de terra e à reforma agrária. Mas, na desqualificação à escola, há um plus de perversidade. É suficiente olhar para os números da pirâmide educativa: o lugar reservado aos pobres é junto à mesa, colhendo as migalhas que por ventura caem. Como não gritar contra o escândalo das políticas compensatórias impregnadas do cheiro acre do favor. Para a elite brasileira, a Escola Nacional do MST é um luxo. “Aliás, pergunta, de onde saiu o dinheiro?”. Pergunta nunca dirigida aos empresários privados da educação. A pergunta que os trabalhadores fazem, em troca, é: “quem levantou o prédio?”. Os nomes dos pedreiros, marceneiros, eletricistas, encanadores… costumam ficar perdidos. Na Escola de Guararema não: os nomes dos trabalhadores estão aí, eles ali estudaram, e os seus filhos, assim como os dos outros trabalhadores, poderão estudar lá.

A elite tolera os acampamentos quando eles aspiram apenas à sobrevivência das famílias, insultando-os com um olhar que pretende reduzi-los à condição de mendicante. Quando o acampamento vira assentamento, e quando o assentamento se torna produtivo, paradoxalmente, projeta sobre as famílias o medo paranóico à “barbárie” e ao “fundamentalismo”, palavras-chave usadas mais de uma vez para legitimar a violência “preventiva” contra os pobres.

Porque os Sem Terra não permanecem na condição de pobres para assim completar a paisagem tão conhecida, tão natural, da brasilidade? Porque não seguem o roteiro traçado de antemão, no cenário das casinhas de pau-a-pique, esperando que o Estado, algum dia, tenha a bem incluí-los no “contrato social” e realizar a reforma agrária que, afinal, “todos almejamos”? Ou, ainda, porque não ficam in eternum sobrevivendo junto às estradas da caridade pública sob os barracos de plástico preto para lembrar a todos que o Brasil é o país do futuro e sempre será? Porque os Sem Terra teimam em querer abandonar a pátria pobreza e constroem uma escola como a de Guararema?

Como será nessa escola a tensão entre apropriação do conhecimento e a reflexão sobre as práticas que as novas formas de conflito social vão colocando? Responder de antemão e dar a resposta como favas contadas é uma temeridade.

Antes de fazer o roçado, a horta para preparar a comida dos alunos, os Sem Terra prepararam o jardim, os caminhos bordados de flores e os canteiros, e plantaram uma muda de cada região do país, para que vingue. Do terraço do refeitório pode-se ver e ouvir uma fonte que lembra as das construções daqueles árabes da península ibérica que encorajavam o diálogo entre culturas diversas e mantiveram o tesouro das civilizações anteriores num período em que o resto de Ocidente enrijecia o seu pensamento dominado pelo “fundamentalismo”. Nessa Alahambra bem brasileira, um pouco distantes, mas não separados das lutas cotidianas, os estudantes pobres, e filhos de pobres, netos de pobres, de pobreza ancestral, cortam a cerca e não pisam nas flores. Como Florestan, querem ocupar os espaços do saber, neles resistir e também produzir novos saberes que, bem vistos, sejam pão e também o biscoito fino para todos comermos.

Referências

BENJAMIN, Walter. “Teses sobre a Filosofia da História” in: BENJAMIN, Walter. Walter Benjamin. São Paulo: Ática, 1991. Trad. Flávio R. Kothe.

FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.

Madoff diz que bancos foram seus cúmplices


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Fraude bilionária

Madoff admitiu culpa no caso em março de 2009 (Fonte: Diário de Notícias)

Madoff diz que bancos foram seus cúmplices

“A atitude foi uma espécie de ‘se você está fazendo algo errado, não quero saber'”, afirmou Madoff

Em uma entrevista publicada nesta quarta-feira, 15, pelo site do jornal The New York Times o ex-presidente da Nasdaq Bernard L. Madoff, condenado a 150 anos de prisão, disse que os bancos sabiam do seu esquema fraudulento conhecido como “corrente da felicidade”.

Madoff, de 72 anos, admitiu culpa no caso em março de 2009. Agora, ele disse que as instituições eram de certa forma “cúmplices” do seu esquema fraudulento, que movimentou até US$ 65 bilhões.

“Eles tinham que saber. Mas a atitude foi uma espécie de ‘se você está fazendo algo errado, não quero saber’”, disse Madoff durante a entrevista.

Madoff também lamentou o suicídio de um dos seus filhos, Mark Madoff, de 46 anos, que era investigado por envolvimento na fraude.

Leia mais:

Administrador tenta recuperar bilhões para vítimas de maior fraude da história

Fontes: Folha de S.Paulo – Da prisão, Madoff diz que bancos sabiam de fraude bilionária

Compartilha:

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 Miseria-da-Ciencia-a-condicao-humana-na-aporia-do-racionalismo

Bipolar: Transtornos relacionados por semelhança ou classificação


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Bipolar:

Transtornos relacionados por

 semelhança ou classificação

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O que é?
O transtorno afetivo bipolar era denominado até bem pouco tempo de psicose maníaco-depressiva. Esse nome foi abandonado principalmente porque este transtorno não apresenta necessariamente sintomas psicóticos, na verdade, na maioria das vezes esses sintomas não aparecem. Os transtornos afetivos não estão com sua classificação terminada. Provavelmente nos próximos anos surgirão novos subtipos de transtornos afetivos, melhorando a precisão dos diagnósticos. Por enquanto basta-nos compreender o que vem a ser o transtorno bipolar. Com a mudança de nome esse transtorno deixou de ser considerado uma perturbação psicótica para ser considerado uma perturbação afetiva.
A alternância de estados depressivos com maníacos é a tônica dessa patologia. Muitas vezes o diagnóstico correto só será feito depois de muitos anos. Uma pessoa que tenha uma fase depressiva, receba o diagnóstico de depressão e dez anos depois apresente um episódio maníaco tem na verdade o transtorno bipolar, mas até que a mania surgisse não era possível conhecer diagnóstico verdadeiro. O termo mania é popularmente entendido como tendência a fazer várias vezes a mesma coisa. Mania em psiquiatria significa um estado exaltado de humor que será descrito mais detalhadamente adiante.
A depressão do transtorno bipolar é igual a depressão recorrente que só se apresenta como depressão, mas uma pessoa deprimida do transtorno bipolar não recebe o mesmo tratamento do paciente bipolar.

Características
O início desse transtorno geralmente se dá em torno dos 20 a 30 anos de idade, mas pode começar mesmo após os 70 anos. O início pode ser tanto pela fase depressiva como pela fase maníaca, iniciando gradualmente ao longo de semanas, meses ou abruptamente em poucos dias, já com sintomas psicóticos o que muitas vezes confunde com síndromes psicóticas. Além dos quadros depressivos e maníacos, há também os quadros mistos (sintomas depressivos simultâneos aos maníacos) o que muitas vezes confunde os médicos retardando o diagnóstico da fase em atividade.

Tipos
Aceita-se a divisão do transtorno afetivo bipolar em dois tipos: o tipo I e o tipo II. O tipo I é a forma clássica em que o paciente apresenta os episódios de mania alternados com os depressivos. As fases maníacas não precisam necessariamente ser seguidas por fases depressivas, nem as depressivas por maníacas. Na prática observa-se muito mais uma tendência dos pacientes a fazerem várias crises de um tipo e poucas do outro, há pacientes bipolares que nunca fizeram fases depressivas e há deprimidos que só tiveram uma fase maníaca enquanto as depressivas foram numerosas. O tipo II caracteriza-se por não apresentar episódios de mania, mas de hipomania com depressão.
Outros tipos foram propostos por Akiskal, mas não ganharam ampla aceitação pela comunidade psiquiátrica. Akiskal enumerou seis tipos de distúrbios bipolares.

Fase maníaca
Tipicamente leva uma a duas semanas para começar e quando não tratado pode durar meses. O estado de humor está elevado podendo isso significar uma alegria contagiante ou uma irritação agressiva. Junto a essa elevação encontram-se alguns outros sintomas como elevação da auto-estima, sentimentos de grandiosidade podendo chegar a manifestação delirante de grandeza considerando-se uma pessoa especial, dotada de poderes e capacidades únicas como telepáticas por exemplo. Aumento da atividade motora apresentando grande vigor físico e apesar disso com uma diminuição da necessidade de sono. O paciente apresenta uma forte pressão para falar ininterruptamente, as idéias correm rapidamente a ponto de não concluir o que começou e ficar sempre emendando uma idéia não concluída em outra sucessivamente: a isto denominamos fuga-de-idéias.. O paciente apresenta uma elevação da percepção de estímulos externos levando-o a distrair-se constantemente com pequenos ou insignificantes acontecimentos alheios à conversa em andamento. Aumento do interesse e da atividade sexual. Perda da consciência a respeito de sua própria condição patológica, tornando-se uma pessoa socialmente inconveniente ou insuportável. Envolvimento em atividades potencialmente perigosas sem manifestar preocupação com isso. Podem surgir sintomas psicóticos típicos da esquizofrenia o que não significa uma mudança de diagnóstico, mas mostra um quadro mais grave quando isso acontece.

Fase depressiva
É de certa forma o oposto da fase maníaca, o humor está depressivo, a auto-estima em baixa com sentimentos de inferioridade, a capacidade física esta comprometida, pois a sensação de cansaço é constante. As idéias fluem com lentidão e dificuldade, a atenção é difícil de ser mantida e o interesse pelas coisas em geral é perdido bem como o prazer na realização daquilo que antes era agradável. Nessa fase o sono também está diminuído, mas ao contrário da fase maníaca, não é um sono que satisfaça ou descanse, uma vez que o paciente acorda indisposto. Quando não tratada a fase maníaca pode durar meses também.

Exemplo de como um paciente se sente
…Ele se sente bem, realmente bem…, na verdade quase invencível. Ele se sente como não tendo limites para suas capacidades e energia. Poderia até passar dias sem dormir. Ele está cheio de idéias, planos, conquistas e se sentiria muito frustrado se a incapacidade dos outros não o deixasse ir além. Ele mal consegue acabar de expressar uma idéia e já está falando de outra numa lista interminável de novos assuntos. Em alguns momentos ele se aborrece para valer, não se intimida com qualquer forma de cerceamento ou ameaça, não reconhece qualquer forma de autoridade ou posição superior a sua. Com a mesma rapidez com que se zanga, esquece o ocorrido negativo como se nunca tivesse acontecido nada. As coisas que antes não o interessava mais lhe causam agora prazer; mesmo as pessoas com quem não tinha bom relacionamento são para ele amistosas e bondosas.

Sintomas (maníacos):
Sentimento de estar no topo do mundo com um alegria e bem estar inabaláveis, nem mesmo más notícias, tragédias ou acontecimentos horríveis diretamente ligados ao paciente podem abalar o estado de humor. Nessa fase o paciente literalmente ri da própria desgraça.
Sentimento de grandeza, o indivíduo imagina que é especial ou possui habilidades especiais, é capaz de considerar-se um escolhido por Deus, uma celebridade, um líder político. Inicialmente quando os sintomas ainda não se aprofundaram o paciente sente-se como se fosse ou pudesse ser uma grande personalidade; com o aprofundamento do quadro esta idéia torna-se uma convicção delirante.
Sente-se invencível, acham que nada poderá detê-las.
Hiperatividade, os pacientes nessa fase não conseguem ficar parados, sentados por mais do que alguns minutos ou relaxar.
O senso de perigo fica comprometido, e envolve-se em atividade que apresentam tanto risco para integridade física como patrimonial.
O comportamento sexual fica excessivamente desinibido e mesmo promíscuo tendo numerosos parceiros num curto espaço de tempo.
Os pensamentos correm de forma incontrolável para o próprio paciente, para quem olha de fora a grande confusão de idéias na verdade constitui-se na interrupção de temas antes de terem sido completados para iniciar outro que por sua vez também não é terminado e assim sucessivamente numa fuga de idéias.
A maneira de falar geralmente se dá em tom de voz elevado, cantar é um gesto freqüente nesses pacientes.
A necessidade de sono nessa fase é menor, com poucas horas o paciente se restabelece e fica durante todo o dia e quase toda a noite em hiperatividade.
Mesmo estando alegre, explosões de raiva podem acontecer, geralmente provocadas por algum motivo externo, mas da mesma forma como aparece se desfaz.
A fase depressiva
Na fase depressiva ocorre o posto da fase maníaca, o paciente fica com sentimentos irrealistas de tristeza, desespero e auto-estima baixa. Não se interessa pelo que costumava gostar ou ter prazer, cansa-se à-toa, tem pouca energia para suas atividades habituais, também tem dificuldade para dormir, sente falta do sono e tende a permanecer na cama por várias horas. O começo do dia (a manhã) costuma ser a pior parte do dia para os deprimidos porque eles sabem que terão um longo dia pela frente. Apresenta dificuldade em concentra-se no que faz e os pensamentos ficam inibidos, lentificados, faltam idéias ou demoram a ser compreendidas e assimiladas. Da mesma forma a memória também fica prejudicada. Os pensamentos costumam ser negativos, sempre em torno de morte ou doença. O apetite fica inibido e pode ter perda significativa de peso.

Generalidades
Entre uma fase e outra a pessoa pode ser normal, tendo uma vida como outra pessoa qualquer; outras pessoas podem apresentar leves sintomas entre as fases, não alcançando uma recuperação plena. Há também os pacientes, uma minoria, que não se recuperam, tornando-se incapazes de levar uma vida normal e independente.
A denominação Transtorno Afetivo Bipolar é adequada? Até certo ponto sim, mas o nome supõe que os pacientes tenham duas fases, mas nem sempre isso é observado. Há pacientes que só apresentam fases de mania, de exaltação do humor, e mesmo assim são diagnosticados como bipolares. O termo mania popularmente falando não se aplica a esse transtorno. Mania tecnicamente falando em psiquiatria significa apenas exaltação do humor, estado patológico de alegria e exaltação injustificada.
O transtorno de personalidade, especialmente o borderline pode em alguns momentos se confundir com o transtorno afetivo bipolar. Essa diferenciação é essencial porque a conduta com esses transtornos é bastante diferente.

Qual a causa da doença?
A causa propriamente dita é desconhecida, mas há fatores que influenciam ou que precipitem seu surgimento como parentes que apresentem esse problema, traumas, incidentes ou acontecimentos fortes como mudanças, troca de emprego, fim de casamento, morte de pessoa querida.
Em aproximadamente 80 a 90% dos casos os pacientes apresentam algum parente na família com transtorno bipolar.

Como se trata?
O lítio é a medicação de primeira escolha, mas não é necessariamente a melhor para todos os casos. Freqüentemente é necessário acrescentar os anticonvulsivantes como o tegretol, o trileptal, o depakene, o depakote, o topamax.
Nas fases mais intensas de mania pode se usar de forma temporária os antipsicóticos. Quando há sintomas psicóticos é quase obrigatório o uso de antipsicóticos. Nas depressões resistentes pode-se usar com muita cautela antidepressivos. Há pesquisadores que condenam o uso de antidepressivo para qualquer circunstância nos pacientes bipolares em fase depressiva, por causa do risco da chamada “virada maníaca”, que consiste na passagem da depressão diretamente para a exaltação num curto espaço de tempo.
O tratamento com lítio ou algum anticonvulsivante deve ser definitivo, ou seja, está recomendado o uso permanente dessas medicações mesmo quando o paciente está completamente saudável, mesmo depois de anos sem ter problemas. Esta indicação se baseia no fato de que tanto o lítio como os anticonvulsivantes podem prevenir uma fase maníaca poupando assim o paciente de maiores problemas. Infelizmente o uso contínuo não garante ao paciente que ele não terá recaídas, apenas diminui as chances disso acontecer.
Pacientes hipertensos sem boa resposta ao tratamento de primeira linha podem ainda contar com o verapamil, uma medicação muito usada na cardiologia para controle da hipertensão arterial que apresenta efeito anti-maníaco. A grande desvantagem do verapamil é ser incompatível com o uso simultâneo do lítio, além da hipotensão que induz nos pacientes normotensos

Última Atualização: 15-10-2004
Ref. Bibliograf: Liv 01 Liv 19 Liv 03 Liv 17 Liv 13 Psychiatry Research 2001; 103: 229-235
Age of Onset of Bipolar II Derpessive Mixed State
Franco Benazzi

 

Impressão 3D promete ser um divisor de águas na histó


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TECNOLOGIA

Objetos pequenos podem ser produzidos em uma máquina semelhante a uma impressora

Impressão 3D promete ser um divisor de águas na história

Técnica pode revolucionar produção e acabar com as fábricas

 

A Revolução Industrial do fim do século XVIII tornou possível a produção em massa de bens, criando assim economias que mudaram a sociedade de maneiras até então nunca imaginadas. Agora, uma nova tecnologia de fabricação surgiu, e ela faz exatamente o oposto. A impressão tridimensional torna a criação de itens únicos tão barata quanto a produção de milhares, logo ameaça a grande economia, e pode ter um impacto no mundo tão profundo quanto a chegada das fábricas.
Funciona desta maneira: primeiro você cria uma planta na tela do seu computador, acertando formatos e cores onde for necessário. Depois é só apertar o botão “imprimir”, e uma máquina acoplada cria o objeto gradualmente, a partir de material expelido por um tubo, ou solidificando seletivamente uma fina camada de plástico ou metal usando pequenas gotas de cola ou um laser. Os produtos são construídos progressivamente adicionando material, uma camada por vez, o que explica o outro nome da tecnologia: manufatura aditiva. Eventualmente, o objeto em questão – uma parte extra para o carro, uma luminária, um violino – deixa a impressora. A beleza da tecnologia está no fato de esse processo não ter que acontecer necessariamente em uma fábrica. Objetos pequenos podem ser produzidos em uma máquina semelhante a uma impressora, no canto de um escritório, uma loja ou mesmo uma casa; itens grandes – estruturas de bicicletas, painéis de carros, partes de aviões – precisam de uma máquina maior e, portanto, de mais espaço.
No momento, o processo só pode ser realizado com certos materiais (plásticos, resinas e metais) e com uma precisão próxima a um décimo de milímetro. Como aconteceu com a computação no fim dos anos 1970, a tecnologia ainda está restrita ao estudiosos em pequenos nichos acadêmicos e industriais, mas está se espalhando de maneira rápida com o avanço da tecnologia e a queda dos custos. Uma impressora 3D básica também conhecida como “fabricadora” ou “fabber” custa hoje, menos do que uma impressora à laser custava em 1985.
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A abordagem aditiva na fabricação tem diversas vantagens sobre a convencional. Ela corta custos ao se livrar das linhas de produção e reduz o desperdício, fazendo uso de apenas um décimo do material. Ela permite a criação de partes em formatos que as técnicas convencionais não conseguem, resultando em novas e mais eficientes asas de aviões e permutadores de calor, por exemplo, e permite a produção de um único item de maneira rápida e barata – e de outro depois que o design tenha sido refinado.
Por muitos anos impressoras 3D foram usadas dessa maneira para criar protótipos, principalmente nas indústrias aeroespacial, médica e automobilística. Uma vez que o design era finalizado, uma linha de produção era criada, e partes eram fabricadas e montadas usando métodos convencionais. Mas a impressão 3D evoluiu de tal maneira que agora está começando a ser usada para produzir os itens finais. A técnica já é usada com a injeção e moldagem de plástico em cerca de mil itens, e esses números crescerão à medida em que a tecnologia evolua. E como cada item é criado individualmente, ao invés de cópias de um molde inicial, cada um deles pode ser diferente, quase sem custo extra. A produção em massa poderia, em pouco tempo, dar lugar à customização em massa em todo tipo de produto, de sapatos a talheres.
Ao reduzir as barreiras da produção, a impressão em 3D também deve promover a inovação. Se uma forma pode ser desenhada em um computador, ela pode ser transformada em um objeto. É possível imprimir uma dúzia, descobrir se há um mercado para esse objeto, e imprimir mais 50 caso haja, modificando o design com base no feedback dos usuários iniciais. Será uma benção para inventores e novas companhias, já que as tentativas se tornarão menos arriscadas e mais baratas. E assim como programadores colaboram compartilhando o código-fonte de seus softwares, os engenheiros já começam a colaborar em designs abertos para objetos e hardware.
A tecnologia sem emprego
Uma mudança tecnológica tão profunda irá dar origem a um novo início da economia de produção. Alguns acreditam que irá descentralizar completamente os negócios, revertendo a urbanização que acompanha a industrialização. Não haverá necessidade de fábricas, quando cada vilarejo tiver um “fabricator” que produza os itens necessários. Mas os benefícios econômicos e sociais das cidades vão muito além de sua habilidade de atrair trabalhadores para as linhas de produção.
Outros defendem a ideia de que ao reduzir a necessidade de trabalhadores nas fábricas, a impressão em 3D irá minar as vantagens de países com salários e custos mais baixos, e repatriar a produção para o mundo rico, o que é possível. No entanto, fabricantes asiáticos têm tantas chances quanto quaisquer outros no mundo, de adotar a tecnologia. E mesmo que a impressão 3D leve a produção de volta aos países desenvolvidos, ela pode não criar empregos, já que não exige trabalho como a produção tradicional.
Fonte: Economist
A tecnologia terá implicações não apenas na distribuição de capital e empregos, mas também nas regras de propriedade intelectual. Quando objetos são descritos em um arquivo digital, eles se tornam muito mais fáceis de serem copiados e distribuídos – e, portanto, de serem pirateados. É só ver o que aconteceu na indústria musical. Quando os protótipos de um novo brinquedo, ou um sapato de grife foram disponibilizados na internet, as chances de que o dono da propriedade intelectual perca os frutos de seu trabalho serão muito maiores.
Deverão haver pedidos de restrições no uso das impressoras 3D, e processos sobre a aplicação das leis existentes a respeito da propriedade intelectual. Como no caso do código-fonte aberto, novos modelos não-comerciais surgirão. Ainda não está claro se a impressão em 3D exigirá que as regras atuais sejam reforçadas (o que estimulará a inovação) ou flexibilizadas (o que estimularia a pirataria). Os advogados, enquanto isso, apenas esfregam suas mãos.
Como ninguém pode prever o impacto do motor a vapor em 1750, ou da imprensa em 1450, ou do transistor em 1950 – é impossível prever o impacto a longo prazo da impressão 3D. Mas a tecnologia está chegando, e deve gerar confusão em todos os campos que atingir. Companhias, reguladoras e empresários devem começar a pensar sobre o assunto agora. Uma coisa, pelo menos, parece clara: embora a impressão 3D vá criar vencedores e perdedores em um curto espaço de tempo, a longo prazo expandirá os limites da indústria e da imaginação.
Fontes: Economist – Technology: Print me a Stradivarius
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Sobre o ponto cego de cada um


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Escola da Ponte

 Sobre o ponto cego de cada um

by Revista Espaço Acadêmico in colunista da REA

por RAYMUNDO DE LIMA*

1. Introdução

A guisa de introdução, começo com alguns exemplos aleatórios que presentificam a idéia de ponto cego:

Uma mãe aponta os defeitos de educação no filho da vizinha, mas demonstra ignorar os defeitos de educação de seu próprio filho;

Um teórico em educação que “falta com a boa educação” quanto entre colegas e também quando com seus alunos:

Uma mulher que sempre inicia projetos, sem no entanto “ver” que nunca consegue terminá-los;

Um criminoso não se considera devedor, mas sim, a sociedade. Da mesma forma, para um terrorista, não foi ele quem começou, nem seus atos são crimes hediondos;

No jogo de xadrez, o observador externo tem visão mais abrangente para possíveis jogadas e noção do perigo proveniente dos próximos lances do adversário;

O motorista do carro não consegue ver um determinado ponto atrás do mesmo o que poderá ser-lhe causa de acidentes;

No jogo perverso de ascensão ao poder, um candidato não quer reconhecer que, na verdade, o que há de autêntico no seu discurso é o que é velado: seus interesses pessoais de ganhos concretos ou abstratos de prestígio social ou de gozo narcísico e compensador de seus fracassos íntimos.

Um moralista que reprova nos outros o que está reservado para si mesmo como um gozo secreto.

Não escapa até mesmo o psicanalista, que preventivamente precisa consultar um psicanalista supervisor, uma vez que não está conseguindo entender o porque seu cliente repete sempre a mesma história ou sofre no mesmo ponto.

O que está acontecendo que escapa ao entendimento da análise clínica quando “o paciente comparece e fala, mas está ausente de sua fala, e o analista, conjuntamente, fica ausente de sua escuta”. (NASIO, J.D., 1993, p.75).

2. A definição física-oftálmica, considera o ponto cego “um fenômeno da visão humana segundo o qual, conforme convergência e refração, pode-se ver o que habitualmente permanece oculto: a possibilidade além da superfície, o concreto afirmado na miragem” [1]

Já no campo psicossocial, esse fenômeno aplica-se, por exemplo, ao marido machista do livro de Lya Luft, quando diz: “minha mulher não faz isso”, “minha mulher não freqüenta esses lugares”, “isso é coisa de mulher. O “Menino”, personagem nomeado sem nome na narrativa, quase onipresente no olhar decifrador da família enigmática e por isso mesmo sabe mais sobre seu pai que este de si próprio: “Meu Pai, tão cioso de sua propriedade, que sua posse [sua Mãe] o mantinha preso, sendo o forte residiria ali sua fraqueza. Ele vivia numa perspectiva de onde não se enxerga o essencial”.

Do lugar de criança não contaminada com os pré-conceitos dos adultos, portanto, situada num ponto estrategicamente privilegiado “de baixo” ela vê o mundo dos adultos; ela pode reconhecer as contradições de sua família. Posicionado de modo estratégico, o Menino podia ver tudo sem ser visto. Desse ponto camuflado, ele tudo via, as contradições de sua família iam diluindo-se, tudo ia ficando-lhe transparente, chegando mesmo a conseguir construir entendimentos dos sobre os assuntos não ditos e, por isso, mais complexos de sua família. Por exemplo: as fraquezas e as traições do seu pai severo; o estranho olhar de sua mãe (“como se soubesse muito bem o que queria: encontrar a hora e o motivo de dizer não e sim”); o porque da depressão do tio, a estrutura psicótica de sua avó que parecia destinada a ter a juventude acabada sem realização de seus desejos, o que quem sabe a levaria “ela enlouquecer de vez”, etc.

3. O ponto cego psíquico

Portanto, para além do olhar físico, o ponto cego tomado psicanaliticamente, é um ponto que parece se localizar no Eu (Ego), cuja função seria solucionar um conflito psíquico. Algo como: “não devo olhar o [que é interpretado como] perigoso, não [devo] escutar o proibido, não [devo] puxar as fantasias pela barra da saia para que venham, para que cedam, para que voem”.

Ao que parece, todo ponto cego tem sua extensão: ser também um ponto surdo. Ou seja, o indivíduo também não escuta algo que o compromete ou que o coloca em contradição ou ainda, que o obriga ao confronto com ele próprio, caso contrário o remeteria a reconhecer um novo sentido e consequentemente o obrigaria a mudar de atitude, certamente mais sadia e por isso mesmo uma posição mais verdadeira em relação a existência como um todo.

O cotidiano das relações humanas demonstra-nos que é possível olhar sem ver e ouvir sem escutar. É a vivência da alienação psíquica. O que não ocorre com os animais, mas é próprio do ser humano, isto é, resistir encontrar significação no que lhe é transmitido por outrem. Ou seja, de certo modo todos estamos condenados a sermos vítimas desse déficit ou perda de entendimento. Todos somos determinados por representações (idéias) tomadas como perigosas e afetos fora de controle que nos obriga a viver um momento de enceguecimento ou de ensurdecimento. É quando somos barrados ou impedidos de perceber algo que na realidade concreta pode não ter nada de perigoso, mas que em nossa subjetividade carregada de representações ou idéias esta é tomada como mau. O ato de ver como o de escutar, essencialmente, consiste antes de ter passado pela filtragem de nossa história afetiva e representativa. Consiste em nossa predisposição de significar o que vemos ou ouvimos do outro algum sentido. Em outras palavras, alguém predisposto a ver um traço “x” em alguém, certamente, irá ver esse traço “x” nesse alguém. Ou, uma pessoa, predisposta a somente ver um ponto “y” (exemplos, um programa de TV, ou uma reunião cujo assunto é de seu interesse), provavelmente não perceberá em seu redor um incidente “z” ou mesmo não saberá escutar (ou significar) uma palavra importante de uma pessoa “w” tida como fora da linguagem daquele grupo social.

Sabedor dessa tendência humana de “contaminação” daquilo que é visto ou escutado, que Freud recomendava ao psicanalista, primeiro, posicionar-se fora do olhar do cliente e, segundo, manter-se em “escuta flutuante”. Esse segundo, implica em: a) não valorizar a priori, nenhum dos elementos do discurso do analisante; b) o psicanalista deve cuidar para que os seus pré-conceitos não poluam o sentido do discurso do paciente. Ou seja, o dispositivo analítico de “escuta” dever ser “flutuante”, único meio de acompanhar de modo especial a fala de alguém. Assim, o que um leigo em psicanálise não encontra nada que faz sentido no que o outro diz, ou só encontra um sentido vulgar, a “escuta flutuante” – aparentemente displicente e boba – consegue a proeza mental de extrair várias hipóteses interpretativas, todas carregadas de sentidos que explicam as prováveis causas daquele enigma.

(Cabe-nos aqui fazer uma observação: A clínica médica é uma “clínica do olhar”, por sua vez, a clínica psicanalítica se configura como uma “clínica da escuta”, inaugurada com o caso Emmy von N. [aquela que disse ao Freud: “não se mexa! Não diga nada! Não me toque! Não é preciso ficar me perguntando donde provém isto ou aquilo, mas me deixar contar o que tenho a dizer!”]. Pois bem, esperamos que o leitor tenha percebido nesse artigo, que estamos usando a idéia de “ponto cego”, não no sentido físico ou médico -quer, enquanto fenômeno óptico normal (ver, nota 2) ou cegueira real. Aqui, usamos o ponto cego, no sentido psíquico, de enceguecimento[2], ou seja, que tem a ver com o simbólico e que por sua vez faz parede-e-meia com a escuta, propriamente psicanalítica).

4. O psicanalista é antes de tudo alguém que sabe escutar

A posição (e, não profissão) de analista, implica estar disposto e preparado para ir além de só ouvir, escutar alguém, quando diz, “Eu não sei mais…” ou, “Eu nada mais tenho a lhe contar…”. Diante dessas dificuldades do paciente, é psicanalista aquele que, posicionado nessa função, insiste: “É isso mesmo, você não veio aqui para falar do que sabe, mas para falar do que você não sabe falar…”.

Desse modo, o posicionamento analítico é de escutar “com o terceiro ouvido”, segundo expressão cunhada por Theodor Reik, em “No início é o silêncio” (1926). Vale a pena citar o seu último parágrafo: “O analista não escuta somente o que está nas palavras, ele escuta também o que as palavras não dizem. Escuta com a “terceira orelha“[sic!], escutando o que dizem o paciente e suas próprias vozes interiores, o que surge de seu […] inconsciente. Um dia Maher fez esta reflexão: ‘Em música, o mais importante não está na partitura’. O mesmo vale para a psicanálise, o que é dito não é o mais importante. Parece-nos bem mais importante detectar o que o discurso esconde e o que o silêncio revela.

No entanto, apesar de bem posicionado, e de cumprir com o tripé ético de ser analista (isto é, análise pessoal, formação teórica e supervisão), o mesmo não está livre de ser surpreendido no campo de batalha da transferência, deixando de enxergar e/ou escutar do que ele (o analisante) está dizendo; afinal, por que ele repete? Como disse Beinaert, alguém que toma a palavra, com certeza demanda ser bem escutado. Mas, quantas dificuldades impedem que o analista abra sua escuta! Quantas coisas podem acontecer na pessoa do analista que se vê instrumentalmente dividido: uma parte dele deve escutar, outra parte corre paralelamente obedecendo aos imperativos de produção de seu Inconsciente – que nunca resiste, mas repete, para não escutar.[3] Essa constatação é preocupante, pois, que acontece (também) com o analista quando deixa de recordar em palavra, e passa a repetir em ato? Como proceder no jogo analítico, quando o entendimento do relato lhe escapa? Se o paciente entra em análise pelo momento imperativo de repetição e sabendo ser esse um momento de alto risco na continuação de sua própria análise, que garantias tem o analista senão a sua experiência de analisante e de ofício?

O que reconhecemos enquanto ponto cego no analista, vai desde um deixar passar porque não soube ler/ não escutou / ou ficou barrado por pré-conceitos, pela contra-transferência, logo, não soube fazer uso clínico das coisas que o paciente lhe trouxe. Lembro-me os tempos de estágio supervisionado na faculdade, quando uma colega demonstrava seu constrangimento diante do colonizo produzido pelo seu paciente de 6 anos durante a sessão. Ora, disse-lhe o supervisor, “cada um dá o que pode; ele está oferecendo-lhe uma esculturinha, esse é seu modo de produzir primitivo. Logo, virá a palavra, no lugar do impulso”. Siga em frente que você está fazendo um bom trabalho analítico”. Minha colega estagiária de clínica, ainda não conseguia ver as expressões do paciente para além do lugar comum. Foi preciso o toque do supervisor para ela entender que “estava conseguindo acessar o código de cura” com aquele paciente.

Por vezes, escutamos de uma ou outra pessoa relatos de suas psicoterapias que sem querer desvelam o anti-profissionalismo do psicoterapeuta. Na verdade trata-se de um anti-terapeuta, porque: 1) se aproveita da fragilidade do cliente e faz valer seu desejo pessoal. Por exemplo, seduz seu paciente a trocar carícias ou mesmo ato sexual; 2) usa o paciente para confessar, ou relembrar sua história pessoal, que certamente caberia em sua análise pessoal. No mínimo, falta a esse falso profissional alfabetizar quanto ao seu inconsciente. Noutras palavras, falta-lhe fazer sua análise pessoal, de onde poderia aprender a distinguir lugares e funções e qual é a verdadeira posição do analista ou terapeuta. Em pseudo-terapeutas, os pontos cegos e surdos impedem-no ao exercício da terapia. Ademais, ainda, quando ele pensa estar assim ajudando o paciente, trata-se de auto-engano [4] ou cinismo. De qualquer forma, em ambos houve grave falha na sua formação profissional ou de personalidade. Freud escreveu que, no fundo, é o equilíbrio de personalidade do terapeuta que leva o paciente a se curar.

A propósito, quanto à formação de psicanalistas, Freud em 1910, no artigo “Psicanálise selvagem”, apontou que muitos cometem erros teóricos, técnicos e clínicos sobre a psicanálise. A conseqüência de uma incultura e falta de experiência analíticas, levaria o jovem analista, por um lado, a deixar passar desapercebido certos conteúdos significativos da fala do cliente, e por outro, a situação transferencial poderia provocar no analista “compulsões à interpretação”, expressão que Freud pede emprestado de Ferenczi. Trata-se de um momento em que as repetições e actings do cliente terminam por testar o grau de habilidade técnica e as vezes tendem a colocar em xeque a estrutura psíquica do psicanalista confuso com seus sentimentos e idéias. Assim, a compulsão à interpretação ocorre quando o jovem analista está ansioso em ser reconhecido no seu lugar de operador clínico, que ainda inseguro na sua posição de analista se deixa levar por respostas fáceis tudo o que o paciente pede ou provoca. Um analista selvagem estaria na contramão da clínica analítica, na medida em que gratifica a neurose do paciente com palavras vazias ao invés de fazê-lo falar ou produzir sentidos. Entre a suspeita precavida de estar preso a um ponto cego e o sentimento imperativo que se vê devedor do cliente, corre-se sério risco de analisar às cegas. O analista selvagem se vê conduzido pela segunda opção, esperando que chegará o momento do acaso levá-lo à acertar a decifração definitiva.

Enfim, a preocupação freudiana, desde 1910, com os analistas ou terapeutas selvagens, até hoje procede, pois eles podem trazer malefícios a muitos pacientes, mais do que alertam as aulas e seminários nos cursos de formação de psicoterapeutas.

Ao que pudemos deduzir, essa cegueira ocorre mais freqüentemente no trabalho analítico e terapêutico nas primeiras entrevistas, quando há inexperiência e inabilidade especialmente para operar com a função transferencial, que como se sabe não está no lado do analista, mas do lado do analisante. A função do analista é saber utilizá-la com “tato clínico” e dar-lhe um sentido. Será necessário esperar um tempo de preparo e um trabalho de elaboração após cada contato, também em cada fracasso e até mesmo quando ocorrer um acerto de intervenção clínica com efeitos de cura.

5. Conclusão

Já sabemos que os seres humanos são desejantes e, por isso mesmo, faltosos. Uns são menos faltosos, isto é, menos deficientes (déficits) que outros marcados por pontos cegos e surdos onde podemos reconhecer em última análise, “patologias psíquicas”. Qualquer pessoa, vítima do seu ponto cego ou surdo “não sabe de sua deficiência”, vale dizer, a mesma vive em meio a um ponto ignorância. Desgraçadamente, a ignorância não faz sua vítima reconhecer sua falta e procurar melhorar seu domínio de verdade. Por outro lado, os outros percebendo sua cegueira ou surdez psíquicas, comentam entre eles, criticam-no sem piedade, mas dificilmente ajudam. Acredito que, quanto maior é o ponto cego ou de surdez maior é a sombra da ignorância que se abate sobre o sujeito. Provavelmente, também não serão poucas as críticas que o desgraçado levará pelas costas. Nos nossos costumes atuais, dificilmente há alguém com coragem ou habilidade de arriscar-se a revelar o que ele vê no amigo, no colega ou no vizinho. Afinal, não somos autorizados a revelar ao outro coisas que somente a ele diz respeito, mesmo que for para o bem dele.

Muita gente aos olhos dos outros deixa-se estigmatizar-se como ridículos nas falas, na expressões do corpo, dos sentimentos e mesmo nas idéias tomadas como confusas, contraditórias, ridículas ou loucas. Há um tempo em que o ponto cego e surdo é menos difícil de ser denunciado para que a criança ou adolescente realizem um trabalho psíquico ali. No entanto, na fase adulta, só resta mesmo a clínica psicanalítica o dever ético-clínico de denunciar com tato e consideração o que está prejudicando nas relações sociais e na existência. Mesmo assim, reconhecemos serem poucos os profissionais bem preparados para intervenções clínicas tão elásticas que vão desde a sutil pontuação até a interpretação e atos que vão iluminá-lo num todo. Nesse instante, a intervenção clínica funcionaria como denúncia que provavelmente bateria de frente com a bela visão (narcísica) que o paciente tem de si mesmo.

Nesse sentido, lembro-me da “Alegoria da caverna”, escrito por Platão e o filme “O enígma de Kaspar Hauser”, de W. Herzog. Em ambos os casos, os personagens estavam tão acostumados a um mundo pequeno e sem luz do dia, enfim, viviam apequenados no seu mundinho imaginando ser o melhor dos mundos possíveis. Mas, uma vez expostos a luz, ao espaço externo, amplo, vivo, o mundo de onde vinham parecia-lhes mesquinho e enganoso. Num primeiro momento, a luz causou-lhes cegueira mas, tão logo estavam refeitos do choque visual, um mundo de descobertas e de possibilidades infinitas, aparecia. E, uma vez acostumados a essa nova realidade, suas existências eram resignificadas, isto é, parecia ter mais sentido do que quando viviam no mundo de sombras..

Referências bibliográficas

BEINAERT, P.L. Ajuda e diálogo. In: Psychologie et experience chretienne. Paris: EPI, 1966.

FINGERMANN, D.T. O que se espera de um analista. In: A escola de Lacan: a formação do psicanalista e a transmissão da psicanálise. Campinas, SP: Papirus, 1992.

FREUD, S. [1910] Perspectivas futuras da terapêutica psicanalítica. Rio Janeiro: Imago-Edição Standard das Obras completas, v. XI, 1974, p.130.

______ . [1910] Psicanálise ‘silvestre’. V. XI, 1974

______ . [1912] Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise. v. XII, 1974, p.158.

______. [1914] Recordar, repetir e elaborar. Rio de Janeiro: Imago. Obras completas, v.XII, 1974, p.196

______. [1937] Análise terminável e interminável.v. XXIII, 1974, p. 266.

GIANNETTI, E. O auto-engano. São Paulo: C. Letras, 1997, p.54.

LACAN, J. Escritos. São Paulo: Perspectiva, 1966.

______. O seminário – Livro 11: Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise, 1973.

______. Proposição de 9 outubro de 1967. In: Psicanálise e transmissão, versão em português publicada pela Letra Freudiana do Rio de Janeiro.

LIMA, R. A verdade ficcional da psicanálise. In: Idea-rev. de Filosofia da Fac. Ecl. Dep. Filosofia João Paulo II. Rio de Janeiro: Ano III, n.1, jun/dez 1998, p.58-9.

LUFT, L. O ponto cego. São Paulo: Mandarim, 1999, p.11.

MANNONI, M. Um saber que não se sabe: a experiência analítica. Campinas, SP: Papirus, 1989, p. 131-2.

NASIO, J-D. A histeria: teoria e clínica psicanalítica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1991, p.135).

QUINET, A. 4+1: Condições da análise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1991,

REIK, T. No início é o silêncio. In: O silêncio em psicanálise. Campinas, SP.: Papirus, 1989.

SANDLER, J. [et. al] O paciente e o analista: fundamentos do processo psicanalítico. Rio de Janeiro: Imago, 1973, p.88.

WINNICOTT, D.W. Textos selecionados: Da pediatria à psicanálise. Rio de Janeiro: F. Alves, 1978.


* RAYMUNDO DE LIMA é professor do Departamento de Fundamentos da Educação, Universidade Estadual de Maringá, e Doutor em Educação pela USP. Publicado na REA, nº 01, junho de 2001, disponível em http://www.espacoacademico.com.br/001/01ray.htm

[1] Cf.: LUFT, L., 1999. Na definição da oftalmologia, ponto cego ou mancha de Mariotte que o descobriu em 1668, é a única parte do olho que é insensível à luz. É descrito como uma depressão na retina, de modo que um objeto cuja imagem venha a cair nessa área esse não é visto. Trata-se de um escotoma normal, cujo campo visual não é prejudicado devido a visão binocular. (Cf.: ENCICLOPÉDIA DELTA UNIVERSAL, Rio: Delta, 1982, p.5865; VERBO-ENCICL. LUSO-BRASILEIRA DE CULTURA, p.548; e PIERON, H. Dicionário de psicologia. Rio: Globo, 195l.

[2] A nota da tradutora [Vera Ribeiro], sinaliza-nos que, “embora aveuglement e cécité, possam traduzir-se por “cegueira”, apenas o primeiro desses termos, aqui traduzido por “enceguecimento“, tem na língua francesa, os sentidos figurados que ultrapassam a simples denotação da cegueira (cécité) física, ou seja, irreflexão, falta de discernimento, deslumbramento, obcecação etc”( Cf.:  NASIO, J-D. A histeria: teoria e clínica psicanalítica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1991, p.135).

[3] “Uma de mim pesa e pendera, outra parte delira…”, conforme a letra de Cecília Meirelles musicada por Fagner. “Traduzir uma parte na outra parte é uma questão de vida ou morte. Será arte?. Eis a função do analista posto de forma poética.

[4] Auto-engano, são mentiras que contamos a nós mesmos, visando driblar uma deficiência ou conseguir um determinado propósito, porém, sem ter intenção consciente de enganar a si próprio. Sua intenção é lucrar alguma coisa com esse mecanismo. A mentira que contada no auto-engano, para o sujeito não mente, seduz. “Ela reveste de semblante da verdad

 

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Programa Interagencial

de Promoção da Igualdade de Gênero,

Raça e Etnia – Brasil

 

Por que excluem os nativos (índios)?

Não é Igualdade de Raça e Etnia?

São mais de 200 etnias marginalizadas, excluídas da sociedade,

quase sem  educação. Hoje, por exemplo, não tem nenhum índio eleito

 Deputado Federal ou Senador.

Chega de injustiça com essa gente.

O Brasil avançou muito nestes últimos anos. Por um lado, ele se transformou num exemplo de democracia para a América Latina. Por outro lado, ele conseguiu incorporar a luta pela equidade de gênero e pela promoção da igualdade racial. Mas ainda não conseguiu promover o resgate histórico dos nossos povos originários, ou seja, dos índios, que ainda se mantém, de certa forma, à margem do próprio processo de desenvolvimento como uma população tutelada.

Qual é a razão deste atraso? O mundo mudou e o país também precisa mudar. Não adianta continuar discutindo sobre o futuro com resquícios do passado. O nosso país precisa de um novo desenho institucional e de um novo repertório de convivência cívica. Para a construção de uma nação forte e soberana, capaz de aglutinar, verdadeiramente (e não apenas retoricamente) pessoas, gêneros, raças, credos, etnias e nacionalidades, para a celebração da paz e da harmonia entre todos…

Como um grande passo nesta direção, o Brasil precisa acordar e se lembrar de que a conquista da autonomia é o primeiro passo para o fortalecimento da cidadania em sua plenitude. Esta é uma das razões pelas quais os índios brasileiros querem falar por si mesmos, isto é, sem intermediários. Eles querem e têm o direito de participar desta nova etapa, até por uma questão de ancestralidade. Sendo parte constitutiva de nossa nacionalidade, eles não podem continuar a ser excluídos deste processo. Eles não podem ser deixados para trás, até porque a nossa história não pode ser órfã. Precisamos de todos os brasileiros, unidos e reconfigurados, para dar a nossa contribuição ao novo estágio civilizatório que se avizinha…

http://http://www.organamerica-africa.com/149955.html

 

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