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Descoberto planeta semelhante à Terra


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Ciência

Ilustração do Gliese 581g e sua estrela (Fonte: AP)

Descoberto
planeta semelhant
e à Terra

O
Gliese 581g fica a 190 trilhões de quilômetros da Terra

Um
planeta localizado na chamada “zona habitável” do seu sol, onde a temperatura
não é nem muito alta, nem muito baixa, o que permite a existência de água em
estado líquido — condição que, acredita-se, seja fundamental para a existência
da vida. Não é a Terra; é o Gliese 581g.

Assim
foi batizado o planeta com maior possibilidade de abrigar vida já descoberto
pelos cientistas. Identificado por astrônomos norte-americanos, o Gliese 581g
fica a 190 trilhões de quilômetros da Terra.

Cogitou-se
que poderia haver condições para a vida em outros dois planetas parecidos com a
Terra no mesmo sistema solar do Gliese 581g, mas esta possibilidade acabou
sendo descartada por eles estarem muito longe ou muito perto do seu sol, sendo
assim frios ou quentes demais.

Leia
mais:


um giro na Terra com imagens da Nasa

Veja
imagens da chuva de meteoros

Fontes: O Globo – Descoberto planeta parecido com a Terra que seria
capaz de abrigar vida

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Gramsci e a questão democrática no Brasil


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Gramsci e a questão democrática no Brasil

 

Filosofia e Questões Teóricas

Daniel Domingues Monteiro

 

Antonio Gramsci

 

Resumo

A esquerda marxista brasileira vivenciou no período de abertura política e, especialmente, logo após o fim da ditadura civil-militar (1964-1985) um rico processo de reflexões teórico-políticas. Entre tais reflexões, ocupou um papel relevante a discussão e a elaboração acerca da chamada questão democrática, ou seja, sobre as relações entre a democracia e o projeto socialista de transformação social.

Não foi a primeira vez, vale destacar, que os marxistas enfrentaram tal problemática no Brasil. O PCB, por exemplo, já havia abordado tal questão na famosa declaração de março de 1958. Entretanto, as formulações e os debates sobre o tema ganharam um novo impulso e uma nova qualidade com o desmoronamento do regime autocrático burguês, alcançando uma sofisticação, um rigor e uma centralidade incomparáveis.

As tarefas da democratização deixaram de ser limitadas, como no período precedente, a uma determinada fase da revolução brasileira – a etapa "nacional e democrática", considerada como anterior à etapa socialista. Uma parcela considerável da esquerda marxista nacional passou, então, a estabelecer um nexo indissolúvel entre a democracia e o socialismo. Em outras palavras, adotou a defesa, por um lado, das conquistas democráticas – pluripartidarismo, liberdade de expressão etc. – como parte inalienável da futura sociedade socialista e, por outro lado, da radicalização democrática como meio de transformar revolucionariamente o país. As resoluções aprovadas ao longo dos anos 80 e logo no início da década de 90 pelo PT e pelo PCB – os dois partidos que agrupavam, naquela quadra histórica, a maior parte das organizações e militantes identificados com a teoria social fundada por Marx – são um bom exemplo disso.

Tais modificações nas formulações acerca da questão democrática são contemporâneas do início do segundo ciclo da recepção das ideias de Gramsci no Brasil (meados dos anos 70) – centrado nas contribuições do pensador sardo no campo da política.

Existe, entre tais fenômenos, mais do que uma mera coincidência. Os debates então travados – plasmados em resoluções, artigos e conferências – revelam a decisiva influência do marxista italiano – sintetizada no conceito de "Estado ampliado" – nas novas formulações sobre o vínculo entre a democracia e o socialismo.  Assim, pode-se afirmar que o pensamento de Gramsci foi, em grande medida, responsável pelo surgimento de uma nova abordagem sobre a questão democrática entre os marxistas brasileiros.

Introdução

A esquerda marxista brasileira vivenciou no período de abertura política e, especialmente, logo após o fim da ditadura civil-militar (1964-1985) um rico processo de reflexões teórico-políticas. Entre tais reflexões, ocupou um papel relevante a discussão e a elaboração acerca da chamada questão democrática, ou seja, sobre as relações entre a democracia e o projeto socialista de transformação social.

Não foi a primeira vez, vale destacar, que os marxistas enfrentaram tal problemática no Brasil. O PCB, por exemplo, já havia abordado tal questão na famosa Declaração de Março de 1958 (PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO, 1980, 3-27 p.). Entretanto, as formulações e os debates sobre o tema ganharam um novo impulso e uma nova qualidade com o desmoronamento do regime autocrático burguês, alcançando uma sofisticação, um rigor e uma centralidade incomparáveis.

Tais modificações nas formulações acerca da questão democrática são contemporâneas de uma vigorosa retomada do interesse pelas ideias de Gramsci no Brasil.

Existe alguma relação entre tais fenômenos? Qual? Mais precisamente, o pensamento gramsciano[1] teve algum papel no surgimento de uma nova abordagem sobre o vínculo entre o socialismo e a democracia?

O presente trabalho pretende contribuir para o esclarecimento de tais indagações. Para isso, tematizará as posições sobre a questão democrática desenvolvidas tanto pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB) quanto pelo Partido dos Trabalhadores (PT) – agremiações que aglutinaram a maior parte dos marxistas brasileiros e hegemonizaram, em momentos distintos, o conjunto da esquerda nacional – e a incidência do pensamento de Gramsci em tais elaborações, tendo como referência os distintos momentos da recepção de suas ideias no Brasil.

O 1⁰ ciclo da recepção de Gramsci e a questão democrática

A difusão das ideias de Gramsci em terras brasileiras teve início, efetivamente, no início dos anos 60. Foi então que começou, nas palavras de COUTINHO (2007, 279-305 p.), o primeiro ciclo da recepção do pensador sardo no Brasil. Antes disso, ele  era conhecido nos meios progressistas e de esquerda apenas como uma figura moral, ou seja, como um exemplo de compromisso com a causa comunista e com a luta antifascista. Seu pensamento era ignorado[2].

Mais ou menos na mesma época, o PCB voltou a colocar a questão democrática no centro de suas preocupações. A já citada Declaração de Março de 1958, aprovada pelo Comitê Central do "Partidão", foi um marco em tal processo[3]. Nela, os comunistas, partindo de uma avaliação de que nas condições brasileiras "o desenvolvimento capitalista corresponde aos interesses do proletariado e de todo o povo", defendem que a revolução no país "não é ainda socialista, mas antiimperialista e antifeudal, nacional e democrática" (PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO, 1980, 13 p.). Conforme tal avaliação, propõe um amplo bloco de forças supostamente interessadas em tal revolução:

"Ao inimigo principal da nação brasileira se opõem, porém, forças muito amplas. Estas forças incluem o proletariado, lutador mais consequente pelos interesses gerais da nação; os camponeses, interessados em liquidar uma estrutura retrógrada que se apoia na exploração imperialista; a pequena burguesia urbana, que não pode expandir as suas atividades em virtude dos fatores de atraso do país; a burguesia, interessada no desenvolvimento independente e progressista da economia nacional; os setores de latifundiários que possuem contradições com o imperialismo norte-americano, derivadas da disputa em torno dos preços dos produtos de exportação, da concorrência no mercado internacional ou da ação extorsiva de firmas norte-americanas e de seus agentes no mercado interno; os grupos da burguesia ligados a monopólios imperialistas rivais dos monopólios dos Estados Unidos e que são prejudicados por estes." (PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO, 1980, 14 p.)

Também levantam a "possibilidade real de conduzir, por formas e meios pacíficos, a revolução antiimperialista e antifeudal", afirmando que "este caminho é o que convém à classe operária e a toda a nação" (PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO, 1980, 22p.). Para não deixar dúvidas, ressaltam que

"O caminho pacífico significa a atuação de todas as correntes antiimperialistas dentro da legalidade democrática e constitucional, com a utilização de formas legais de luta e de organização de massas. É necessário, pois, defender esta legalidade e estendê-la, em benefício das massas. O aperfeiçoamento da legalidade, através de reformas democráticas da Constituição, deve e pode ser alcançado pacificamente, combinando a ação parlamentar e a extraparlamentar." (PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO, 1980, 22p.)

Desse modo, em tal documento, propugnam o aprofundamento da democracia, combinado com o respeito às "regras do jogo", como o caminho para uma determinada fase da revolução brasileira – a etapa "nacional e democrática". Todavia, não estabelecem nexo algum entre a democracia, a chamada etapa socialista da revolução e o próprio socialismo.

O 5° e o 6° Congressos do PCB, realizados respectivamente em 1960 e 1967, reafirmaram, em suas linhas gerais, as posições expressas na Declaração de 1958, consolidando a nova orientação adotada pelo partido[4] (tanto em seus avanços quanto em seus limites[5]).

A coincidência entre, de um lado, o surgimento do primeiro ciclo da recepção de Gramsci no país e, de outro lado, a retomada da centralidade da questão democrática parece sugerir – apesar da notável ausência dos conceitos políticos gramscianos nos artigos e documentos da época[6] – uma influência do comunista italiano nos debates sobre o tema então travados na esquerda brasileira. Entretanto, tudo indica que isso não aconteceu.

Durante tal ciclo, que terminou na metade dos anos 70, o dirigente comunista italiano foi tido, predominantemente, como filósofo e crítico literário. Suas contribuições especificamente  no campo da política foram ignoradas ou secundarizadas (COUTINHO, 2007, 286 p.).

Tal situação não foi substancialmente alterada com a publicação em português, em 1966 e 1968, de uma parcela bastante significativa da obra gramsciana: uma ampla seleção das Cartas do Cárcere e parte da edição temática dos Cadernos do Cárcere[7].

Assim, sua incidência nas discussões propriamente políticas, como as estabelecidas sobre o papel da democracia na transição socialista, foi residual.

Além disso, vale registrar que essa "primeira tentativa de propor Gramsci para o público brasileiro teve escassa repercussão" (COUTINHO, 2007, 287 p.). Basta lembrar que as obras do autor italiano encalharam nas livrarias, sendo vendidas em saldos "a preço de banana". Consequentemente, apesar dos esforços empreendidos, seu pensamento sensibilizou uma pequena parcela dos militantes identificados com a teoria social fundada por Marx, não tendo o poder de embasar o giro democrático operado pela outrora principal organização comunista tupiniquim.

Portanto, as elaborações sobre a questão democrática produzidas na esteira da Declaração de Março ainda tiveram como fundamento o chamado marxismo-leninismo – doutrina oficial do movimento comunista internacional, fortemente enraizada no PCB, caracterizada por uma visão instrumental da "democracia burguesa" (ou seja, de toda e qualquer democracia vigente nos marcos do capitalismo).

O 2⁰ ciclo da recepção de Gramsci e a questão democrática

O segundo ciclo da recepção das ideias de Gramsci no Brasil começou em meados da década de 70. Nele, houve um crescimento significativo do interesse pela obra do autor sardo, expresso tanto na considerável ampliação do número de artigos e ensaios publicados sobre o dirigente comunista[8] quanto na reedição das Cartas e dos Cadernos do Cárcere[9]. Além disso, a influência do pensamento gramsciano passou a transcender "o círculo dos intelectuais marxistas e dos partidos de esquerda" (COUTINHO, 2007, 301 p.). Porém, ocorreu então algo ainda mais relevante: "nesse novo ciclo, Gramsci já não era apresentado apenas como um eminente filósofo ou sociólogo da cultura, mas sobretudo como o maior teórico marxista da política." (COUTINHO, 2007, 293 p.)

Para COUTINHO, essa retomada teve duas causas principais:

"Em primeiro lugar, é então que se inicia o processo de abertura política que corroeu gradualmente o regime militar. A vitória do Movimento Democrático Brasileiro (então o único partido legal de oposição, no qual se agrupava um amplo arco pluralista de forças políticas e sociais, dos liberais conservadores aos comunistas) nas eleições parlamentares de 1974 obrigou o governo militar a relaxar a censura, criando-se assim um clima de relativa liberdade na vida cultural, semelhante ao que ocorrera nos anos 1964-1968. E, em segundo lugar – o que me parece mais importante -, inicia-se então na esquerda uma radical reavaliação autocrítica de seus velhos modelos." (COUTINHO, 2007, 292 p.)

Nesse contexto, veio a lume uma nova abordagem sobre a questão democrática. Inicialmente discutida no PCB, ela foi assumida por uma ala do partido, a chamada tendência[10] "renovadora" ou "eurocomunista"[11]. Tal ala propugnava um aprofundamento das posições manifestas na Declaração de Março de 1958 e nas resoluções do 5° e do 6° Congressos.

O texto A democracia como valor universal (COUTINHO, 1984), publicado em 1979, sintetiza os eixos gerais da proposta "renovadora". Escrito por Carlos Nelson Coutinho, tal texto teve um grande impacto tanto nos debates internos do PCB quanto nas discussões dos demais agrupamentos e intelectuais de esquerda. Nele, Carlos Nelson coloca a questão democrática no centro superação do capitalismo. Mais do que isso, afirma que

"[…] para os que lutam pelo socialismo em nome dos interesses histórico-universais dos trabalhadores, na convicção de que somente o socialismo é capaz de promover a libertação de toda a humanidade, a democracia política não é um simples princípio tático: é um valor estratégico permanente, na medida em que é condição tanto para a conquista quanto para a consolidação e aprofundamento dessa nova sociedade." (COUTINHO, 1984, 25 p.)

Em outras palavras, segundo Coutinho, não só o aprofundamento da democracia é a via para a construção do socialismo como muitas das liberdades democráticas – forjadas no bojo das revoluções burguesas (pluripartidarismo, princípio da soberania popular etc.) – devem ser  mantidas na nova ordem social. Isso porque

"A superação da alienação política pressupõe o fim do ‘isolamento’ do Estado, sua progressiva reabsorção pela sociedade que o produziu e da qual ele se alienou. Ora, com o atual nível de complexidade social, essa reabsorção só se tornará possível por meio de uma articulação entre o organismos populares de democracia de base e os mecanismos ‘tradicionais’ de representação indireta (como os Parlamentos)." (COUTINHO, 1984, 30 p.)

A transformação social se daria, então, através da "[…] ‘criação’ de novos institutos políticos que não existem, ou existem apenas embrionariamente, na democracia liberal clássica […]" e da "[…] mudança de função de alguns velhos institutos liberais." (COUTINHO, 1984, 26 p.), por meio de uma crescente pressão popular. Isso sem esquecer que "a teoria socialista […] deve colocar claramente a questão da hegemonia como questão central de todo o poder de Estado" (COUTINHO, 1984, 34 p.).

Assim, com o texto de Carlos Nelson, as tarefas da democratização deixaram de ser limitadas, como nas elaborações precedentes, a uma determinada fase da revolução brasileira – a etapa "nacional e democrática", considerada como anterior à etapa socialista. A questão democrática passou a penetrar na questão socialista.

A vertente "renovadora" participou do processo preparatório para o 7° Congresso do PCB[12]. Todavia, apesar da enorme ressonância de sua posições, acabou derrotada antes da realização do mesmo pela maioria do Comitê Central, "[…] que pretendia que a renovação ficasse limitada a um mero aggiornamento." (PINASSI, 2002, 136 p.). Os "eurocomunistas" saíram então em massa do "Partidão", indo para diferentes organizações políticas (alguns foram, inclusive, para o PT).

Curiosamente, poucos anos depois, o setor majoritário da direção do PCB assumiu as bandeiras de seus outrora adversários "renovadores" – processo consolidado no 9° Congresso do partido, em 1991. A Declaração Política de tal Congresso, ocorrido sob o signo da falência do "socialismo real", defende que

"A democracia é um valor de caráter universal e radical. O socialismo por este prisma é incompatível com qualquer forma de opressão e supressão dos direitos fundamentais, individuais e coletivos. […] No socialismo não pode haver, em nenhuma hipótese, supressão ou subestimação da democracia formal em nome da ‘democracia real’. A democracia é um valor insubstituível, em qualquer tipo de sociedade, para que as divergências de opiniões e credos possam se manifestar e existir a possibilidade real de alternância no poder." (FREIRE, 1991, 109-110 p.)

Para fundamentar tal posição, acrescenta que "a supremacia da sociedade civil sobre o Estado é um princípio a ser perseguido infatigavelmente" (FREIRE, 1991, 110 p.) e que

"Não mais compartilhamos a ideia de um Estado como um ‘comitê executivo da burguesia’, pura e simplesmente,. O Estado no mundo moderno é permeável à ação da sociedade civil e pode ser submetido ao seu controle, sendo passível da disputa no jogo democrático por forças sócio-políticas contraditórias. ‘O Estado ampliado’, uma vez que a hegemonia burguesa é exercida na sociedade civil e legitima seu controle sobre o aparelho de Estado strictu sensu, coloca inúmeras e novas equações para quem pensa construir o socialismo por via democrática." (FREIRE, 1991, 110 p.)

Além disso, quanto ao caminho para a transformação socialista, afirma que a esquerda deve ter a "[…] capacidade de exercer sua hegemonia política e cultural na sociedade civil mesmo antes de se tornar dirigente do Estado" (FREIRE, 1991, 107 p.) e que

"Não podemos visualizar o socialismo como algo só passível de construção quando em graves crises ou nos estertores do capitalismo. Queremos construí-lo desde logo, através da implementação de um projeto politico reformador e capaz de plasmar – e projetar – o futuro socialista no presente. Uma via processual de caráter revolucionário, centrada na democracia, o que requer: a socialização da política com a criação de mecanismos de democracia de massas […]" (FREIRE, 1991, 109 p.)

No ano seguinte, no 10° Congresso (1992), a maioria do Comitê Central extinguiu o PCB e criou o PPS (Partido Popular Socialista) – agremiação que logo depois abandonou a perspectiva socialista.

O PT – partido fundado em 1980, ou seja, durante a vigência do segundo ciclo gramsciano – demorou um pouco mais para enfrentar, a fundo, a questão democrática, embora tenha desde o princípio incluído "[…] a luta pela democracia e pelo socialismo no centro estratégico de seu projeto para o Brasil"  (PT: UM PROJETO PARA O BRASIL, 1989, 9 p.). Foi somente no 5° Encontro Nacional, em 1987, que o partido discutiu pormenorizadamente o assunto. Nele, foi definido que a "ausência de democracia, do direitos à livre organização dos trabalhadores, é contraditória com o socialismo pelo qual lutamos" (PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1999, 316 p.) e que "o PT rejeita a concepção burocrática do socialismo, a visão do partido único […]" (PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1999, 317 p.).  Também foi estabelecido que

"Embora a liquidação da burguesia, como classe, compreenda também a liquidação de suas organizações civis e de seu Estado, grande parte das organizações da sociedade civil hoje existentes continuarão presentes na nova sociedade e não podem (e não devem) ser abolidas por decreto" (PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1999, 317 p .).

Além disso, o 5° Encontro, considerando que […] o Estado brasileiro […] não tem condições de se fechar completamente à participação das classes subalternas em seu interior" (PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1999, 316 p.), decidiu que, para construir o socialismo, " […] os trabalhadores precisam transformar-se em classe hegemônica e dominante no poder do Estado, acabando com o domínio político exercido pela burguesia." (PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1999, 312 p.) – tarefa que deve ser efetivada através de uma política de acumulação de forças, que inclui a conquista de um governo "democrático e popular". Vale notar que tal acumulação de forças não implica, em contraste com as velhas formulações do PCB, em alianças com a burguesia ou "[…] uma nova teoria das etapas, imaginando uma etapa democrático-popular, e, o que é mais grave, criando ilusões, em amplos setores, na possibilidade de uma nova fase do capitalismo, uma fase democrática e popular" (PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1999, 322 p.).

O 7° Encontro Nacional do PT, realizado em 1990, aprofundou tais posições[13]. Na já famosa resolução O socialismo petista,  ele declara que "o socialismo, para o PT, ou será radicalmente democrático ou não será socialismo" (PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1999, 432 p.) e completa:

"No plano político, lutamos por um socialismo que deverá não só conservar as liberdades democráticas duramente conquistadas na sociedade capitalista, mas ampliá-las. Liberdades válidas para todos os cidadãos e cujo único limite seja a própria institucionalidade democrática. Liberdade de opinião, de manifestação, de organização civil e político-partidária. Instrumentos de democracia direta, garantida a participação das massas nos vários níveis de direção do processo político e da gestão econômica, deverão conjugar-se  com os instrumentos da democracia representativa e com mecanismos ágeis de consulta popular, libertos da coação do capital e dotados de verdadeira capacidade de expressão dos interesses coletivos" (PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1999, 435 p.).

O I Congresso do PT, ocorrido em 1991, avançou ainda mais em tais definições[14]. Em suas resoluções, o socialismo é entendido como "[…] sinônimo de radicalização da democracia" (PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1999, 499 p.), de modo que

"[…] o PT rechaça a noção segundo a qual o pluralismo não passa de uma circunstância que se tolera, até o dia em que, suprimidas as classes sociais, supostamente se estabelecem as bases da homogeneidade de pesamento" (PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1999, 500 p.).

Assim, conforme tal Congresso,

"O socialismo pelo qual o PT luta prevê, portanto, a existência de um Estado de Direito, no qual prevaleçam as mais amplas liberdades civis e políticas, de opinião, de manifestação, de imprensa, partidária, sindical etc.; onde os mecanismos de democracia representativa, libertos da coação do capital, devem ser conjugados com formas de participação direta do cidadão nas decisões econômicas, políticas e sociais. A democracia socialista que ambicionamos construir estabelece a legitimação majoritária do poder político, o respeito às minorias e a possibilidade de alternância no poder." (PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1999, 500 p.)

Ao mesmo tempo, ao referendar o papel central da disputa de hegemonia na batalha pela transformação social, proclama que "[…] o socialismo que almejamos supõe a construção democrática de uma maioria disposta a construí-lo na sociedade" (PARTIDO DOS TRABALHADORES, 1999, 505 p.), sempre combinando a luta social com a luta institucional.

Os demais Encontros e Congressos petistas não foram muito além de tais elaborações (pelo menos até o II Congresso, realizado em 1999).

As formulações brevemente esboçadas acima – todas contemporâneas do segundo ciclo  da recepção das ideias de Gramsci – têm, mesmo consideradas as suas diferenças, alguns eixos comuns:

a) estabelecem um nexo indissolúvel entre a democracia e o socialismo. Em outras palavras, adotam a defesa, por um lado, das conquistas democráticas – pluripartidarismo, liberdade de expressão etc. – como parte inalienável da futura sociedade socialista e, por outro lado, da radicalização democrática como meio de transformar revolucionariamente o país;

b) negam o etapismo da antiga elaboração pecebista sobre a questão democrática, ligando a radicalização da democracia à transformação socialista e revolucionária da sociedade brasileira (e não apenas a uma fase, anterior à suposta etapa socialista, da revolução brasileira).

c) buscam apoiar suas conclusões, mesmo que implicitamente, em conceitos gramscianos[15]. Assim, por um lado, para defender a democracia como o caminho para o socialismo, chamam a atenção para o caráter ampliado do Estado burguês brasileiro, fruto do recente crescimento da sociedade civil (processo de "ocidentalização"), e para a consequente centralidade da disputa pela  hegemonia (entendida como consenso)[16]. Por outro lado, para sustentar uma concepção democrática de socialismo, argumentam, inspirados na abordagem gramsciana sobre a extinção do Estado[17], o caráter estratégico do fortalecimento da sociedade civil diante do Estado-coerção[18].

Conclusão

O novo enfoque sobre a questão democrática, gestado a partir do período de abertura política e crise terminal da ditadura civil-militar, possui significativas diferenças em relação ao produzido no final dos anos 50 e princípio dos anos 60 (simbolizado pela Declaração de Março de 1958).

Entre tais diferenças, vale destacar, do ponto de vista do presente trabalho, a existência de substratos teóricos distintos informando os dois enfoques em tela. As formulações contemporâneas do primeiro ciclo gramsciano – ao propor a democracia como via para uma revolução democrática e nacional -, ignoravam o pensamento do comunista sardo, tendo como suporte a ortodoxia marxista-leninista. as novas elaborações – construídas em meio a uma retomada do interesse pelas ideias de Gramsci, em particular por seu pensamento político – partiram das categorias gramscianas (sociedade civil, Estado ampliado, hegemonia etc.) para propor um renovado vínculo entre a democracia e o socialismo – sem etapismos ou percepções utilitárias das conquistas democráticas.

Pode-se concluir, desse modo, que: a) a ortodoxia marxista-leninista representou um obstáculo para o florescimento de uma perspectiva democrática e socialista (ou, ao menos, não facilitou tal florescimento); b) as ideias do pensador italiano, ao contrário, estimularam a superação dos gargalos até então postos para o aprofundamento de uma proposta democrática de ultrapassagem da ordem do capital.

Assim, não é um exagero afirmar que o pensamento de Gramsci teve um papel capital – evidentemente combinado com outros fatores – no surgimento de uma nova abordagem sobre a questão democrática entre os marxistas brasileiros.

Notas:

 


 

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Eleições 2010

O que você precisa saber antes de votar

Confira lista de matérias especiais publicadas pelo Opinião e Notícia durante o período eleitoral

Antes de apertar a tecla ‘confirma’ na urna eletrônica, é preciso ter em mente algumas informações. Durante o período eleitoral, o Opinião e Notícia publicou uma série de matérias especiais para esclarecer dúvidas frequentes sobre o processo eleitoral. Aqui é possível encontrar algumas delas, cujas dicas podem fazer a diferença na hora da votação.

Veja lista dos candidatos ‘fichas-sujas’

Na reta final para o 1° turno das eleições 2010, veja se o seu candidato é ficha-suja.

Propostas dos presidenciáveis

Conheça os programas de governo dos principais candidatos à presidência: Dilma Rousseff, José Serra e Marina Silva.

Puxadores de votos são ‘faca de dois legumes’

Por que os partidos não têm vergonha alguma de recrutar candidatos que dizem coisas como ‘o povo não é palhaço, mas eu sou’?

O que levar na hora de votar?

Saiba aqui o que mudou com a Reforma Eleitoral.

Conheça os deveres de um presidente

Nove são os candidatos a presidente da República nas eleições que se aproximam. Além do salário oficial de R$ 11.239,24 eles almejam outras e muitas atribuições do cargo executivo como dirigir a administração federal, nomear e exonerar ministros

Compreenda as funções do Congresso Nacional

No Senado, a eleição ocorre pelo sistema majoritário, e na Câmara, os deputados são eleitos pelo sistema proporcional.

Senadores: quantos o eleitor vai escolher?

Entre as atribuições do cargo – além de suas funções legislativas – o senador pode processar e julgar o presidente da República.

Saiba mais sobre crimes eleitorais

Infrações podem ser cometidas em qualquer momento do processo eleitoral, atingem candidatos e eleitores e podem resultar em multa e prisão.

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Segundo a legislação brasileira, não se pode ter candidatura avulsa. Ou seja, a decisão sobre a disputa depende do partido.

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Saiba também como são escolhidos os mesários.

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Até hoje há confusão quanto a função dos votos. Entenda aqui.

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NÃO

Da redução de lixo à geração de renda


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Sustentabilidade


Da redução de lixo à geração de renda

Para regulamentar o setor, o governo aprovou o Plano Nacional de Resíduos Sólidos. A nova regra vai afetar os produtores, consumidores e também os catadores.

Por Layse Ventura

Caixas de leite espalhadas sobre o lixo, pneu velho largado no quintal, geladeira repleta de alimentos estragados. Do lado de fora da casa se empilham sacolas de plástico que um maltrapilho insiste em abrir, espalhando toda aquela imundice pelo chão.

Parece o retrato de uma sociedade de selvagens, mas esta é a realidade que o brasileiro vive atualmente. No país, cerca de um terço de todos os alimentos comprados é desperdiçado. Junto com eles também são desperdiçadas as  embalagens, a energia e a água demandadas para sua produção e  transporte.

Na outra ponta desse cenário perverso, catadores dependem do lixo para sobreviver, num mercado clandestino que já movimenta R$ 12 bilhões por ano e sustenta mais de 1 milhão de pessoas. A atividade tem gerado recursos, mas coloca em risco a vida de muitos, com a perigosa exposição a resíduos tóxicos e condições insalubres.

O novo Plano Nacional de Resíduos Sólidos obriga as pessoas a adaptar as práticas cotidianas a uma nova maneira verde de pensar e agir, que busca atingir tanto os produtores e consumidores, como também os catadores. Os ambientalistas resumem este pensamento em 3 R’s: reduzir o consumo, reutilizar o produto e reciclar.

Redução

Reduzir o consumo é o primeiro passo de uma grande jornada. Como 40% do que compramos é lixo, é necessário refletir antes de comprar. Até porque o ato da compra em si é apenas o desfecho do consumo. “Antes dela, temos que decidir o que consumir, por que consumir, como consumir e de quem consumir”, diz o Instituto Akatu.

No Brasil, quase 22 milhões de toneladas de lixo (43%) não tiveram uma destinação correta em 2009, volume suficiente para encher 154 Maracanãs de lixo, e que foram parar em aterros controlados ou lixões. Este tipo de  descarte contamina o solo, a água, o ar e também os catadores, que se incorporam às montanhas de lixo.

Reutilizar

Pensando em cada uma destas etapas, o consumo de uma casa pode ser substancialmente reduzido e os resíduos reutilizados. Como 50% dos resíduos produzidos por uma casa são de lixo orgânico, uma das soluções é a compostagem, que consiste em depositar no solo pilhas alternadas de esterco, resíduos orgânicos, folhas etc.

Em grande escala, a matéria orgânica pode gerar energia através da incineração. No Brasil, temos somente uma usina deste tipo, localizada na Ilha do Fundão, no Rio de Janeiro. Após fazer a coleta seletiva de lixo, a USINAVERDE transforma matéria orgânica em energia. A empresa é capaz de gerar aproximadamente 600 kW de energia elétrica por tonelada de lixo tratado.

Já os resíduos sólidos podem ter diversos fins, como a utilização de pneus na fabricação de cimento, a transformação de embalagens descartáveis em aquecedor solar, a utilização de latas para a confecção de antenas de internet e uma lista interminável, sem limites para a criatividade.

Reciclar

Reciclar não é transformar um produto em um subproduto, como por exemplo se utilizar de uma garrafa pet para fazer uma cadeira. Reciclar consiste em transformar um produto usado em novo, como latas de alumínio.

Para poder reciclar, é necessário que exista a coleta seletiva de lixo, mas apenas 405 dos quase 5,6 mil municípios brasileiros faziam a coleta em 2008. Somente um total de 13% do lixo é reciclado nas cidades.

Plano Nacional de Resíduos Sólidos

Com a aprovação do Plano Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) pelo presidente Lula, o lixo passa a ser um problema coletivo, envolve desde os produtores aos consumidores finais e catadores.

Entre as novidades, a nova lei obriga as empresas a receberem de volta material já usado, como pilhas e baterias, embalagens de agrotóxicos, pneus, lâmpadas e produtos eletrônicos e seus componentes, computadores e cartuchos de impressão.

A lei proíbe a criação de lixões, bem como morar, catar lixo ou criar animais em áreas adjacentes a aterros sanitários. A regra determina ainda a proibição de importação de qualquer espécie de lixo e implanta sistemas de coleta de materiais recicláveis nas residências.

Outra solução legalmente viável no Brasil seria a cobrança pelos serviços de coleta. “Tem várias formas de ser fazer essa cobrança, inclusive pela mensuração real do que é descartado, tal como é feito com o consumo da água e do pulso telefônico. É um serviço público que tem que ser custeado por aquele que gera o resíduo, que na verdade é o próprio cidadão”, disse o presidente da Abrelpe, Carlos Silva ao programa Cidades e Soluções.

A principal mudança que o Plano de Resíduos vai gerar deve ser na reciclagem. Isto porque o setor pode se tornar um excelente negócio no Brasil, diminuindo os impactos ambientais, gerando mais trabalho e renda, com reflexos sociais extremamente benéficos.

Leia mais:

O caminho para a escassez de água

Entre o modismo e a consciência verde

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NÃO



 

Agonia e êxtase do português


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A
LÍNGUA É VIVA

Agonia e êxtase do português

E a cada novidade que aparece, os ouvidos estremecem: pronto, lá vem
mais um modismo para enterrar nosso idioma!

Por
Solange Noronha

 

A última
ameaça chegou pela televisão, como muitas outras, e causou alarme: quer dizer
que vamos deixar de “comprar” e passar a “fazer aquisições”? A “notícia” foi
dada num telejornal da Rede Globo, onde alguns “hábitos” tiveram seu fim
decretado — não sem agonizar durante um bom tempo. E a cada novidade que
aparece, os ouvidos estremecem: pronto, lá vem mais um modismo para enterrar
nosso idioma! A expressão da vez veio numa frase banal, sobre a dona de casa
que “faz aquisição” de ovos na feira ou no mercado. Ou seja, esqueça a
salmonela e o colesterol. O que está em risco não é a saúde do consumidor, é o
verbo “comprar”!

Aliás, foi
também na televisão que mataram o risco de vida — e, portanto, descobriram a
fórmula da imortalidade! Ou então alguém me explique qual é a manchete em
“fulano foi operado, mas ainda corre o risco de morrer” — pois este corremos
todos, todos os dias — ou como eu posso pôr minha morte em risco — porque seria
ótimo me livrar dela.

Falando em
pôr, onde anda ele? Vai ver foi enterrado ao lado de “botar”, já que agora
ninguém bota ou põe mais nada, só “coloca”. Mesmo assim, insisto com as
galinhas: continuem pondo ou botando ovos, porque eu me recuso a “fazer
aquisição” de ovos colocados…

É claro que
a culpa não é apenas da imprensa e da TV. O pessoal do marketing — que adora
inventar palavras desde que descobriu as dicionarizadas, e nem por isso menos
horrorosas, habitabilidade, confortabilidade e afins — é outro grande vilão
nessa história. E o da publicidade, surpreendentemente, está mais lá atrás.
Afinal, qual é o mal de se criarem neologismos à moda da língua inglesa, que
transforma tudo em ação? Assim, fazemos a higiene bucal com produtos cheios de
“refrescância” e comemos — ainda que com certa dificuldade de engolir —
chocolates com “crocância”. Mas talvez não estejamos prontos para criar um
verbo “crocar” a partir da onomatopeia dos dentes quebrando um biscoito
fresquinho, por exemplo.

Quando menos é mais

Exemplo,
aliás, é o que a turma da Comunicação deveria dar a todos — a começar pelo
básico: na dúvida, escolha o simples. A cada estagiário, seria entregue uma
lista de sugestões, tais como:

— ninguém
falece ou passa: morre. Deixe o passamento no século XX, fazendo companhia ao
féretro, que anda tão só e esquecido, coitadinho;

— ninguém
reside ou habita: mora. Ou, numa paquera, você pergunta a uma pessoa onde ela
habita?;

— ninguém
possui: tem. Alguém aí possui uma gripe ou um resfriado?;

— ninguém
elucubra, divaga, exprime, enuncia, expõe etc. etc. etc.: Fulano diz. E ponto
final. É melhor repetir do que arriscar um categórico “afirma” ou “declara”, às
vezes muitos tons acima da fala do sujeito;

— um parente
é sempre mais confiável que o globalizante “familiares”;

— prefira
“usar” a “utilizar” — e faça bom uso destas informações, sem esquecer que fazer
uso de algo é como lançar mão de um recurso, ou seja, não se “faz uso de” uma
avenida para escapar de um engarrafamento e outros absurdos ouvidos por aí.

O importante
é fazer o uso correto do Português, sem medo de parecer menos inteligente ou
culto do que os amantes da “fala difícil” ou daqueles que acreditam que
palavras longas são sinônimo de erudição.

Tamanho não é
documento

Surpreendentemente,
porém, há quem goste das polissilábicas e, ao mesmo tempo, odeie alguns grandes
advérbios — inconstitucionalissimamente, pelo menos na minha infância, era tido
como o maior vocábulo do idioma pátrio. Assim, pessoas capazes de achar que,
com apenas uma letrinha a mais, “aonde” é mais chique que “onde” — obviamente,
não sabem que uma não substitui a outra e que a primeira quer dizer “para onde”
— podem ser avessas ao sufixo adverbial “-mente”, em especial quando associado
ao adjetivo “independente”.

Independentemente
disso, pior ainda é quem acha que “onde” cabe em qualquer lugar — e aí é um tal
de escutar “aprendeu esta jogada com o técnico Beltrano, onde…”, “a patinadora
foi treinada por Sicrano, onde…” e outros absurdos não exclusivos de locutores
e comentaristas esportivos.

Palavra hoje
tão em moda, diversidade combina maravilhosamente com a Língua Portuguesa. Use
e abuse da variedade que o idioma oferece, evite modismos, fuja dos “nichos de
mercado” e desconfie de quem tenta inventar regras “lógicas” para provar por A
+ B que certas expressões consagradas são incorretas: foi por culpa desses
falsos eruditos que muitos jornalistas passaram a ter medo de dizer “risco de
vida” na televisão e o nosso bom e velho Português fica a cada dia mais pobre.

Só para
lembrar: “êxtase” também significa “temor reverente”. Dê uma olhadinha no
Houaiss…

Caro leitor,

O que mais o incomoda
entre os modismos lidos e ouvidos atualmente na mídia?

Você acha que os
meios de comunicação são responsáveis pelo empobrecimento do vocabulário
popular? Eles podem também ajudar a enriquecê-lo?

Grandes jornais e
emissoras de rádio e TV deveriam dar mais espaço a professores de Língua
Portuguesa, em colunas e programas, como chegou a acontecer há não muito tempo?

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Fim do JB: morte anunciada de um velho centenário


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Fim do JB: morte anunciada de um velho centenário

Por Alice
Melo

 

“O Jornal do Brasil, coerente com sua tradição
de pioneirismo e modernidade, se coloca mais uma vez à frente de seu tempo. A
partir de 1º de setembro de 2010 o JB passa a ser o primeiro jornal 100%
digital”

(JB, 14/07/2010, pA9)

Anunciada oficialmente no dia 13 de julho, a
morte do Jornal do Brasil tardou, mas não falhou. Em processo de falência há
mais de dez anos, o JB, que já foi o maior periódico do Brasil, nas décadas de
60 e 70, será publicado a partir deste dia (1/9) apenas na internet.

Os indícios de que este senhor de 119 anos
padeceria em breve endividado, enfraquecido e assassinado pela sua desastrosa
administração já eram evidentes desde a mudança de sua sede da Avenida Brasil
para a Rio Branco, em 2002, e reforçados ainda mais com a chegada do jornal às
bancas, em 2006, no formato berlinder, substituindo o
centenário stardard.

Alegando que o JB seguia sua tradição de
pioneirismo e revolução estética, tal qual acontecera em sua famosa reforma de
1956, idealizada por Amílcar de Castro, o tamanho do periódico diminuía
seguindo uma tendência européia, como fizera pouco antes o inglêsThe
Guardian
. Assim como seu tamanho, foram sendo reduzidas com o tempo, suas
páginas, credibilidade e relevância no mercado nacional. O Rio de Janeiro
ficava sem uma mídia impressa de peso, a qual fosse capaz de fazer frente
O Globo, fortalecido ainda mais no final da década de 80.

Em 2006, no entanto, a crença em uma reviravolta
mágica e improvável ainda existia para os otimistas, que iam forjando uma
imagem glamourosa de um fantasma decadente e mascarado. Ainda sim, nada foi
dito, comentado ou protestado. Adiava-se cada vez mais a morte iminente. O
velho moribundo mal tinha forças para caminhar sozinho, mas seus responsáveis
maquiavam-no e forçavam-no a percorrer uma estrada cruel e tortuosa, cujo fim
estava mais próximo do que se imaginava.

JB Digital: sinônimo de inovação?

No dia 14 de julho de 2010, a bomba. Confirmou-se
o que todos sabiam há tempos. Em um anúncio de página dupla, o JB comunicou a
seus leitores e funcionários que a partir do dia 1º de setembro passaria a ter
uma versão apenas online. O novo projeto JB Digital, hospedado em “atraentes
plataformas multimídias” com “diagramação moderna e amigável à exposição em
laptops, desktops ou iPhones”, teria seu conteúdo fechado disponível apenas
para assinantes ao custo mensal de R$ 9,90.

Os problemas administrativos e financeiros,
agravados pela falta de anunciantes, além da dívida bilionária herdada na
década de 70 com a construção do elefante branco da Avenida Brasil, jamais
foram mencionados nesta “migração” do papel para o online. A “transferência” é
abordada como uma medida visionária, que preserva o meio ambiente, além de dar
um passo para o futuro.

“Não está distante o momento em que um país com
jornais de grande circulação em papel será sinônimo de subdesenvolvimento,
desrespeito ao meio ambiente e anacronismo digital. O que é um jornal na selva
tecnológica? Qual o papel do jornal num ambiente de rádios digitais, leitores
eletrônicos, fones inteligentes, monitores em elevadores ou aeroportos, TVs
on-demand e sites dos mais variados em tempo real ou analíticos de toda
ordem?” 

(JB, 23/8/2010, p23)

Feita sem qualquer planejamento, a migração
preza tecnologia e modernidade disponíveis apenas para a menos populosa fatia
da sociedade carioca e brasileira. Tendo o cobiçado iPad como carro-chefe da
campanha, o JB Digital foi pensado para ser consumido por ricos, oferecendo um
conteúdo fechado e “diferenciado”, cujo slogan arrojado promete ao leitor
“qualidade, interatividade, respeito à ecologia, alinhamento com o futuro e inovação”.

No novo JB, o leitor encontrará os mais ilustres
colunistas que serviam de muleta para o idoso de 119 anos, em seus últimos dias
de vida, além do conteúdo que recheava o moribundo jornal, o qual em seu último
dia de circulação apresentou apenas 24 páginas. No site em que o projeto será
hospedado – o JBonline, criado em 1995, no qual a maioria das notícias não são
de autoria própria – se terá apenas uma “amostra” do conteúdo exclusivo, pago,
do JB Digital.

Dessa forma, o plano seria de preservar seu
leitor antigo e fiel, parte dos cerca de 20 mil assinantes do impresso nos
últimos momentos da longa jornada, e conquistar o público jovem, aquele
acostumado a baixar músicas, filmes e informação gratuitos e de excelente
qualidade na web.

O Rio sob um ponto de vista

Os anúncios repentinos do fim do JB chocaram a
imprensa, seus leitores e funcionários. Todos agiram como se a notícia fosse
uma grande surpresa, uma grande perda. “E agora? O Rio terá apenas um grande
jornal?”, indagaram os hipócritas.

É evidente que há muito o Rio tem apenas um
grande jornal. Há muito a classe média fluminense parou de ler as coloridas
páginas do JB e passou a ter em mãos apenas o periódico principal da família
Marinho. Entretanto, durante todos estes anos, nenhuma palha foi movida para
que este velho JB, que traz nas rugas do nome marcos profundos da história do
Brasil e do mundo, fosse salvo das mãos assassinas de seus donos despreparados.

Os defeitos e problemas deste fantasma
saudosista são explícitos e facilmente criticáveis. O fato é que ele ainda
continuará vagando sem rumo por aqui até que o deixem morrer em paz, em memória
de seu passado grandioso, ou se esforcem para recuperá-lo das cinzas com
dignidade, estado ao qual foi reduzido fatalmente no trágico fim de sua vida longa
e sentenciada.

 

Os alemães tornaram-se cépticos em relação ao capitalismo Questões Ideológicas João Alexandrino Fernandes Uma recente sondagem indica que 88% dos alemães tornaram-se cépticos em relação ao capitalismo e aspiram a uma nova ordem econômica. Foto


Os alemães tornaram-se cépticos em relação ao capitalismo

 

Questões Ideológicas

João Alexandrino Fernandes   

Uma recente sondagem indica que 88% dos

alemães tornaram-se cépticos em relação ao

capitalismo e aspiram a uma nova ordem

econômica.  Foto Werner Kunz/Flickr

Os comentadores alemães se rejubilam com as
exportações e os políticos anunciam o fim da crise e o regresso à
normalidade. Mas a população não parece convencida.

Têm vindo a surgir nos meios de comunicação
social notícias sobre a recuperação económica da Alemanha: a Alemanha está a
sair da crise, prevendo-se já uma taxa de crescimento de 3% em 2010. A
Alemanha, o "motor" da Europa, está de regresso – assim se pensa,
pelo menos.

Porém, o mais interessante é que estas notícias,
que parecem convencer todos, não convencem a população alemã!

Neste momento diz-se que a economia da Alemanha
cresce. Os comentadores rejubilam com as exportações e os políticos anunciam
o fim da crise e o regresso à normalidade. E no entanto, segundo uma sondagem
agora divulgada, efectuada pelo instituto de pesquisa de opinião Emnid, por
incumbência da Fundação Bertelsmann, esta euforia não se reflecte no estado
de espírito da população. A maioria das pessoas não acredita que tudo volte a
ser como era de forma assim tão simples. Pelo contrário: dois terços da
população não esperam sequer que a recuperação económica faça aumentar
automaticamente a sua qualidade de vida.

Segundo a sondagem, a convição da população alemã
mudou e tudo indica que de forma estável. De facto, 88% dos alemães
tornaram-se cépticos em relação ao capitalismo e aspiram a uma nova ordem
económica: acreditam que o capitalismo não toma suficientemente em
consideração quer o equilíbrio social, quer a protecção do ambiente, quer a
necessidade de uma relação cuidadosa com os recursos naturais.

Significa esta atitude que os alemães pretendem
uma revolução? Atendendo aos resultados da sondagem, não. Significa que os
alemães estão pensativos e que vêem a responsabilidade pela actual situação
económica e social não só nos políticos e nos dirigentes da economia, mas
também em si próprios: quatro em cada cinco alemães são da opinião de que
cada um deveria reflectir sobre a sua própria forma de vida, sobre se, para
si, o crescimento económico é tudo.

Hoje em dia valores como a justiça social ou a
protecção ambiental são para a maioria dos alemães tão importantes que
influenciam de forma crescente a sua posição relativamente ao sistema
económico. Para a grande maioria dos cidadãos as fontes de qualidade de vida
pessoal são de natureza imaterial: relações sociais, saúde e condições
ambientais são mais importantes do que ter mais dinheiro e propriedade.

Importante também é que esta nova escala de
valores recolhe um consenso fora do vulgar em todos os escalões sociais e
mostra-se independente dos níveis de educação. Uma afirmação da pesquisa:
"a prosperidade social é, para mim, menos importante do que a protecção
ambiental e a redução das dívidas do Estado" mereceu não só a
concordância de 75% das pessoas com formação liceal, a forma mais elevada do
ensino secundário e que permite o acesso ao ensino superior, mas também a
concordância de 69% das pessoas com a formação da chamada
"Hauptschule", que é a forma mais elementar do ensino secundário
alemão.

Segundo os resultados da sondagem, os alemães
acreditam ainda que o sistema económico pode ser orientado na direcção certa
e a maioria está convencida de que crescimento e protecção ambiental são
objectivos compatíveis um com o outro – mas pressupondo que existe para tal a
necessária vontade política. 82% consideram a continuação do crescimento
indispensável para a estabilidade política, mas em contrapartida não
acreditam nas chamadas "forças de regeneração próprias" do mercado,
em relação às quais os jovens são particularmente cépticos – e, pode-se aqui
bem dizer, com razão. O que a crise financeira precisamente demonstrou foi o
contrário, foi que quem "regenerou" o mercado não foram nenhumas
"forças de regeneração próprias", mas sim as gigantescas transferências
de fundos feitas pelo Estado para instituições financeiras aí a operar.

São todas estas incongruências ligadas ao sistema
económico, acrescidas da comprovada incapacidade do sistema para resolver os
problemas de justiça social e para deter a ameaça de destruição ambiental,
neste momento já à escala planetária, fortalecidas pela constatação de que
por mais que os números digam que a economia cresce, o impacto deste
crescimento pouco ou nada se faz notar na vida do cidadão comum, ao passo
que, na situação contrária, de crise, o impacto negativo é imediato, que os
alemães parecem ter deixado de ignorar.

Ora, deixar de ignorar não é, certamente,
condição suficiente – mas é condição necessária para que qualquer mudança
seja possível.

Tübingen,
Alemanha, 23 Agosto, 2010

Original:
"Umfrage: Neun von zehn Deutschen fordern neue Wirtschaftsordnung",
in Spiegel Online, 18. August 2010,
www.spiegel.de.
"Umfrage-Wachstumsskeptisch" em Zeit Online, 18.08.2010,
www.zeit.de.

Fonte: Esquerda.Net